








USHUAIA E A VIAGEM DE VOLTA - A ADUANAAlguém comentou que os post's apresentam três visões diversas da viagem: a do Otávio, mais objetiva; a da Ju, mais poética; a minha, mais humorística. Tenho feito post's curtos para os quatro leitores assíduos da nossa expedição, a fim de não espantá-los, ao repetir aquilo que o Otávio e a Ju escrevem antes. No entanto, pensei que talvez fosse interessante escrever sem tal preocupação, mesmo que meu post acabe por ser semelhante aos precedentes. Se for semelhante, quem nos lê concluirá que tudo é mesmo verdade. Se não for, a conclusão é de que a viagem tem perspectivas diversas (ou quem alguém falta com a verdade... O que não acontece, juro!). Desta forma, sem ler o que já foi escrito sobre Ushuaia e sobre a viagem de volta, apresento a minha versão. Talvez com algo de humor, mas com fundo bem sério. E, desculpem-me, mas este post será um pouco mais longo.
Primeiramente, o que foi ir para Ushuaia de moto. Ushuaia é a Meca do motociclista brasileiro. Assim, a proposta de ir até lá, para mim, tinha realmente como principal finalidade vencer um desafio. E foi muito prazeroso fazê-lo, na companhia do Otávio, meu amigo de infância e de blog. Dito isto, digo que a ida para Ushuaia foi tranqüila. A passagem pelas alfândegas (duas da Argentina e duas chilenas) não apresentou qualquer problema. O vento, perto de Rio Gallegos, estava forte, mas depois amenizou. A gente passou rapidamente pela balsa que cruza o Estreito de Magalhães, com mar calmo. Almoçamos bem numa pequena cidade chilena. O famoso rípio (estrada de cascalho) era bem batido e cento e vinte km foram superados em menos de duas horas. Enfim, tudo correu às mil maravilhas. Ushuaia é uma cidade maravilhosa - bem mais bonita do que eu imaginava -, emoldurada por montanhas nevadas e com o mar para complementar a paisagem. E com luz até tarde. A foto foi tirada à uma da manhã e ainda havia uma réstia de luz no horizonte. Se forçar a vista um pouquinho, dá pra ver na foto. A do porto - tirada por volta de onze da noite - dá para ver bem. Um paraíso intensamente curtido.
Agora, a volta (ocorrida no dia 9 de janeiro de 2010 – aniversário do Otávio. Marco a data, porque não sei quando dará para publicar o post, com as fotos ilustrativas). A volta foi exaustiva.
Saímos de Ushuaia por volta de oito e meia. Minto. Saímos mais tarde, por culpa minha. Comprei um pen drive de 16 GB para armazenar todas as fotos. E quando estávamos abastecendo as motos – evidentemente, já tendo deixado o hotel –, lembrei-me dele. Perguntei para a Ju que disse não tê-lo visto. Como sabia onde ele estava no hotel, depois de revirarmos as mochilas, optei por voltar. O Otávio foi à frente para a “Ruta”, porque pretendia deixar duas garrafinhas de "51" para um amigo argentino que iria se hospedar em uma pousada à beira da estrada. Pois bem, procurei, procurei e procurei o tal pen-drive no hotel e não encontrei nada. Ainda tenho esperança de encontrá-lo escondido em algum canto da bagagem, mas, no momento, acho que ele encontrou outro dono...
Então, saí atrás do Otávio e o encontrei na estrada, esperando no pretenso local onde estaria a pousada. Ela não estava lá. Procuramos mais um pouco, tocamos por alguns quilômetros olhando atentamente, mas nada de pousada. Estávamos a uns quinze km de Ushuaia. Aí realmente se deu a partida para a nossa jornada de regresso, o que ocorreu por volta de nove e meia da manhã.
A primeira parte da viagem foi tranqüila. Mais tranqüila do que a vinda. Estava frio, mas agradável. Rodamos trezentos km rapidamente e por volta de uma e meia, estávamos na fronteira.
Em uma parada num posto - meio forçada, porque entrou em meu olho um grão de areia - acabamos por conhecer o Eduardo, um veterinário paranaense que viajava sozinho com uma Yamaha 660, tomando vento no peito, porque o defletor da moto dele se quebrou. Ele acabou por nos acompanhar a partir dalí até Rio Gallegos. Como disse - escrevi - a primeira parte foi tranqüila. Aí, chegamos à Aduana argentina. E os problemas começaram.
A aduana estava lotada. Foram mais ou menos duas horas e meia de fila (ou de "cola", como eles dizem) para conseguir os carimbos necessários. E primeiro foi uma "cola" para a vistoria dos passaportes. Depois, outra "cola" para a aduana propriamente dita. Uma "cola" atravessava a outra. Enfim, era uma zona total! Já viajei muito na minha vida. Fui para muitos lugares e nestes cinqüenta anos nunca vivi nada parecido. De novo: uma zona total! Resultado: chegamos à uma e meia e saímos às três e meia. Aí, andamos mais uns três ou quatro km... até a aduana chilena.
Na aduana chilena, outra “cola”. Que demorou mais duas horas e meia. Assim, para passarmos duas aduanas, demoramos cinco horas. Saímos às seis e meia dos procedimentos burocráticos. Eu fiquei exausto. Acho que todos ficaram. Neste estado, fomos para o rípio.
O rípio era o mesmo da vinda. Mais ou menos. Porque agora tinha vento. Vento, chuva e frio. E vento com rípio é ruim, uma vez que a gente procura conduzir a moto em cima do rastro dos pneus dos carros, porque é mais batido. Fora do rastro é mais fofo e se a roda da frente pega um rípio muito fofo, o tombo é certo.
Entre mortos e feridos, salvaram-se todos. Demoramos muito mais do que na vinda – inclusive com duas paradas para checar se a estrada era aquela mesma –, mas chegamos sãos e salvos. Sem nenhum tombo. Pegamos o asfalto por volta de nove da tarde (da tarde, porque ainda tinha luz) e saímos no pau para pegar a balsa – a última era a das dez e quarenta e cinco. Pegamos a das dez, depois de esperarmos uns vinte minutos no frio. É que a balsa anterior saiu alguns minutos antes de chegarmos... Depois da travessia, toca meter a mão no acelerador, para não chegarmos junto com todos aqueles argentinos que também atravessaram o canal em seus carros e que iriam fazer a alfândega novamente.
Mas que história de alfândega é essa? Seguinte: pra quem não sabe, a Tierra do Fogo – última parte da Argentina, onde está situada Ushuaia – é separada do restante do país pelo território chileno. Aí, quem vai para lá por terra tem que sair da Argentina e entrar no Chile. Depois, viaja-se pelo Chile por uns duzentos km – parte em asfalto e toda a parte do rípio. Também é no território chileno que está a balsa. Para entrar na Tierra do Fogo é necessário sair novamente do Chile e ingressar na Argentina. São quatro aduanas! A primeira é conjunta, mas a segunda não. Há uma aduana chilena e depois de alguns quilômetros, outra da Argentina. Foi justamente nessas aduanas separadas que nós perdemos cinco horas...
Pois bem, chegamos à aduana conjunta na frente de quase todos os carros e lá foi tudo rápido. Também, já era quase meia-noite. Gastamos uns dez minutos com os procedimentos. Depois, mais uns quarenta e cinco minutos até Rio Gallegos, com muito frio (7 graus) e quase com um atropelamento de coelho, por parte do Otávio. Em seguida, pizzaria e cama. Acabados. Por causa da burocracia argentino-chilena.
O Chile e a Argentina precisam resolver esse problema do trânsito entre os dois países. Precisam pensar em algo mais inteligente do que os procedimentos burocráticos que nos quebraram as pernas. Mas não vão fazer isso, porque há muito ressentimento ainda entre eles. Quase houve guerra entre os países em 1978. O resultado, a gente vê na zona de embarque da balsa. Leiam o que está escrito na placa ao lado da Ju. Pois é, campo minado! Inacreditável, mas a Bósnia é aqui...
É muito menos cansativo rodar oitocentos km de moto com calor, frio, chuva ou vento, do que ficar cinco horas na fila para que os guardas de fronteira, com cara de poucos amigos, batam três ou quatro ridículos carimbos e não façam qualquer verificação (não que eu quisesse...). Tudo só para constar. Tudo para atazanar um a vida do outro – e o viajante que não tem nada com isso é que paga. Seguramente foi a pior parte da viagem. Mas mesmo assim, valeu à pena e eu passaria por tudo novamente, só para ter o gostinho de chegar a Ushuaia de moto.