sexta-feira, 21 de janeiro de 2011



Queridos amigos de blog....

Obrigada pela companhia.

Aos companheiros de viagem, valeu.

Ao meu companheiro de vida, muito obrigada por realizar meus sonhos! Te amo.

Juliana

TRECHO FINAL - MARINGÁ - CAMPINAS - FIM DA EXPEDIÇÃO PARA O ATACAMA




Vinte de janeiro de 2011. No Brasil. De Maringá/PR até Campinas/SP. Mais uns seiscentos e quarenta km.
Em fim de viagem do moto, é sempre bom tomar cuidado. A gente meio que relaxa, porque rodou quase seis mil km e tudo deu certo. Baixa a guarda e o tombo vem. Então, é fundamental manter a concentração.
Com tal espírito, saímos de Maringá às 11:00 hs. da manhã. Acordamos tarde, sem pressa, porque sabíamos que conseguiríamos chegar a Campinas ainda com luz do dia. Tudo o que precisávamos.
Sossegados, tomamos o café da manhã – apesar da preocupação da Ju com relação a ter sobrado algo, depois que o grupo do intercâmbio de Jiu Jitsu passou por ali... Sobrou! Foi o melhor café da viagem.
Como disse a Ju, sabemos que estamos no Brasil quando o café da manhã é um banquete e não só medialuna e um pingado. E porque tem pão de queijo. Mas, para evitar qualquer mal entendido com os hermanos, adoramos as medialunas!
Saímos com temperatura agradável – 27° Celsius –, mas com muita chuva. Mesmo assim, foi fácil sair da cidade. Como já escrevi, Maringá é muito bem sinalizada e o porteiro do Hotel Elo deu uma dica importante: “é só seguir reto em frente, contar onze semáforos, e virar à direita”. Fizemos isso e logo, logo, estávamos na pista.
A chuva parou, a tocada melhorou, principalmente porque entre Maringá e Londrina é pista dupla. Depois de noventa km rodados, às 12:15 hs. – temperatura de 23° Celsius e chuva armando de novo –, paramos em um posto nas cercanias de Londrina. Abastecemos e seguimos viagem, em direção a Assis – sentido Warta e Sertanópolis.
O Otávio disse que quando vai para São Paulo prefere ir pelo norte do Paraná até entrar em Ourinhos – por onde também passaríamos. Sei não, sei não. Prefiro ir por Assis, porque depois de Londrina, há muitas cidades e o trânsito não flui. No mais, assim que se entra no Estado de São Paulo a pista passa a ser dupla. Um pouco pior até Assis, mas depois de lá as estradas estão muito boas.
Até a fronteira estadual, foi uma viagem com pancadas de chuva. Nenhum problema na pista – trânsito não muito carregado – e às 13:00 hs., com sol e temperatura de 30° Celsius, estávamos na divisa do Paraná com São Paulo – 163 km rodados. Paramos para uma foto de registro.
Quase cai. Por conta da grama que invadia o acostamento, meu pé direito escorregou no momento em que fomos sair. Acidente é assim. Acontece quando a gente menos espera. Ainda bem que o tombo não veio, porque ia ser muito ridículo cair daquela maneira, depois de rodados quase seis mil km.
Tocamos até Assis – é preciso um pouco de cuidado com essa estrada (a SP 333, estrada que em São Paulo é a continuação da PR 323 que vem de Londrina). A pista é quase toda dupla, mas o asfalto não está bem conservado e, de súbito, aparecem alguns buracos que podem ser perigosos. Na altura da cidade de Tarumã, há lombadas na pista.
Como a estrada está quase toda duplicada, o motociclista pode se entusiasmar e dar mais gás do que ela comporta. Então, cuidado.
Bom, em Assis, pegamos a SP 270. Dez km depois, por volta de 13:45 hs., com temperatura de 31.5° Celsius, paramos para lanche do almoço (não almoço, porque a pior coisa que existe é conduzir a moto com o estômago pesado). Posto Alexandrina, situado em Nova Alexandrina, distrito de Cândido Mota.
Ótimo posto Ipiranga. Limpo e com bom atendimento. Funcionários muito simpáticos. Comemos um lanche de lingüiça com queijo muito bem preparado, que estava excelente.
O dono estava presente. “Seu” Luiz, uma pessoa muito simples e muito simpática. Conversava com todo mundo. Esperto, ouvia com atenção o que cada freguês tinha a dizer.
Ele fez questão de me mostrar uma foto, pregada na parede, de como era o posto há trinta anos. Um postinho pequeno com uma parte coberta que parecia ser algo como uma pequena lanchonete e nada mais. Hoje, o posto é imenso. E ele é proprietário de um supermercado nas proximidades. Os pães dos lanches são feitos na padaria do supermercado.
“Em breve, começo a construção de um hotel de qualidade, com trinta apartamentos”, disse-me.
A conversa me fez pensar em duas coisas. A primeira foi aquele ditado: “Todo mundo vê as pinga que eu tomo, mas não vê os tombo que eu levo”. O “Seu” Luiz fez questão de retratar as pinga e os tombo... A segunda coisa é que há muita gente trabalhadora no Brasil – como o “Seu” Luiz –, que vence e faz o país progredir, desde que o governo não atrapalhe...
Se eu morasse na vizinhança, seguramente iria ao restaurante do posto pelo menos uma vez por semana, para comer o lanche gostoso e também para saborear uma boa prosa. Fica o meu abraço para o “Seu” Luiz.
A viagem de moto é tão interessante, dentre outras coisas, por causa dos personagens que a gente encontra pelo caminho.
Saímos às 14:20hs. Seguimos pela SP 270 – toda duplicada – até Ourinhos. Ali, passamos pelo trevo mais abandonado que há no Estado de São Paulo – deve fazer uns trinta anos que ele tem a aparência de que está “em obras” – e pegamos a SP 327. De Ourinhos a Santa Cruz do Rio Pardo – pista também toda duplicada. Curiosamente, justamente quando passávamos em frente ao Posto Estação Café – o que tem a locomotiva – a viagem chegou a seis mil km rodados. Logo depois, uns doze km à frente, pegamos o início da Rodovia Castelo Branco – SP 280. Ali, rodamos com o acelerador solto por retas tediosas (na Argentina, as retas não são tediosas, porque o entorno é deslumbrante: na Castelo não é assim...) até o Posto Road Star, pouco depois de Botucatu, onde já tínhamos parado na ida.
O Road Star é o posto do tanque de guerra.
Segundo consta, é o maior posto de rodovia da América do Sul. Se não é o maior, não imagino qual o tamanho do maior, porque ele é mesmo enorme. Tem, inclusive, uma loja de móveis gigantesca, cheia de coisas interessantes.
Bom, café, abastecimento (com o mesmo frentista da ida, que me reconheceu!) e pista.
Aí foi muito tranqüilo – mas sempre com o cuidado de não relaxar na pilotagem. Do Road Star, tocamos até as proximidades de Sorocaba e, no km 79, pegamos a SP 075 – sentido Itu, Salto e Indaiatuba. Para quem não conhece, trata-se da Rodovia Santos Dumont, que liga Campinas a Sorocaba, passando pelas referidas cidades. Também é a rodovia que serve o aeroporto de Viracopos. Boa pista dupla, bem sinalizada, mas movimentada, principalmente por volta de 18:00hs. E as passagens para as motos nos pedágios são bem estreitas. No pedágio de Indaiatuba, certa vez, acertei um dos cones com a minha mala lateral. Um perigo, porque poderia ter caído.
Esse negócio de deixar uma passagem estreita para as motos – segundo os funcionários das concessionárias das rodovias, porque os motoboys passam muito depressa – é um acinte. Que sejam colocados outros controles para evitar a velocidade, mas os corredorezinhos estreitos ainda vão dar causa (se é que já não deram...) a acidentes sérios com motos grandes. Fica o desabafo. A reclamação, eu vou fazer por outras vias, mais eficazes.
Da Santos Dumont para a Bandeirantes e dali para a D. Pedro. Mais sete km e entramos em Barão Geraldo. Cumprimentei a Ju pela viagem sem problemas – mais uma – e às 18:45hs., com temperatura de 29° Celsius, entramos em casa, buzinando. Foram 643 km rodados de Maringá a Campinas. E 6.334 km (seis mil, trezentos e trinta e quatro km) rodados, desde o início da viagem, no dia 02 de janeiro de 2011 – sem contar os mais de mil km na Bolívia, feitos de Toyota 4 x 4.
Valeu. Plenamente.
Para finalizar, os agradecimentos.
Em primeiro lugar, quero agradecer a D. Ana, minha sogra, por ter cuidado da Analulu, a nossa pequena filhota – mas não tão pequena assim! –, bem como por tê-la levado a um cruzeiro pelo litoral do Rio de Janeiro.
Quero também agradecer aos meus companheiros de viagem: ao co-autor do blog, o Otávio, meu amigo de quatro décadas, e à Inha, mulher dele: ao meu irmão Zé Mauro, à Su, sua mulher, e aos meus queridos sobrinhos, Pedro e Amanda. O Pedro, particularmente, agüentou mais: foi ele quem nos acompanhou na Toyota, no giro pela Bolívia. Para todos eles também vai um pedido de desculpas pelos transtornos e mal entendidos que inevitavelmente acabam acontecendo ao longo do (longo) caminho.
Quero agradecer a todos os amigos e parentes que acompanharam a nossa expedição pelo blog e que nos deixaram recados tão inspiradores, tão cheios de carinho.
E por fim, como não podia deixar de ser, quero agradecer à minha amada esposa, a Ju, por compartilhar da aventura e, principalmente, por ter “encasquetado” com a ida ao Salar de Uyuni – o lugar mais maravilhoso que já vi em minha vida!
E vamos para outros lugares, Ju!!!! Sempre juntos, porque sem você, meu amor, a viagem não tem graça!
Fim da expedição do Atacama!
Abraços e beijos a todos.
Toni.

DÉCIMO PRIMEIRO TRECHO - ASUNCION - MARINGÁ




Dezenove de janeiro de 2011. De volta para o Brasil! De Asuncion – Paraguay a... Não sabíamos até aonde iríamos. Porque não sabíamos quanto tempo iria demorar a travessia da Ponte da Amizade – divisa entre Brasil e Paraguay, na Foz do Iguaçu. Ciudad Del Este: o conhecido paraíso dos sacoleiros.
A intenção era tocar até Maringá. E deu certo. Mas vamos por partes.
Saímos de Asuncion às 7:25 hs. da manhã, com temperatura agradável de 26° Celsius.
Muito movimento na cidade, como era de se esperar, em se tratando de uma capital de país. Não tivemos maiores dificuldades, pois o GPS do Otávio indicou corretamente a saída. Só uma ou outra parada, para esperar quem ficou para trás no sinal.
Disseram para a gente que a estrada entre Asuncion e Ciudad Del Este estava quase toda duplicada. O motorista do “transfer” que havia nos levado até o centro da cidade disse que eram uns duzentos km de pista dupla. O amigo do Otávio disse que eram uns cento e vinte, sendo parte na saída de Asuncion e parte na chegada à Ciudade de Este.
Nem um nem outro. No máximo, uns setenta km de pista dupla.
Na saída de Asuncion, desde o hotel, foram exatos trinta e três km de pista dupla. Pista dupla com todo o tipo de trânsito local – até carroça. Pista cheia de semáforos, de pontos de cruzamento e coalhada de policiais. Especificamente sobre a polícia, eu estava meio preocupado, por conta de um relato que lemos na Internet. O resumo do resumo é que qualquer coisa seria pretexto para os policiais tentarem tirar “um troco” dos brasileños.
Então, a viagem não rendeu.
A primeira parada ocorreu depois de cento e cinqüenta e três km rodados, com a temperatura na casa dos 32° Celsius, às 10:10 hs. Quase três horas de estrada, com média de pouco mais de cinqüenta km por hora.
Isso cansa. Como já disse, não é a quilometragem, mas o tempo sobre a moto que mata. Na Argentina, com esse tempo, fácil, fácil, teríamos percorrido o dobro da distância.
Contei, mais ou menos, uns quinze pontos com policiais – dentro e fora das cidades. Mas ninguém nos parou.
E a viagem foi isso. Oitentinha por hora, muita dificuldade para fazer as ultrapassagens e algum calor.
De bom, o asfalto era razoável e a estrada regularmente sinalizada.
Porque inevitável, depois de quase cinco horas rodando, acabamos por nos aproximar de Ciudad Del Este. Paramos no acostamento, no recomeço da pista dupla, a fim de que o Otávio telefonasse para o amigo dele que o esperava para o almoço. Tínhamos rodado 293 km e era aproximadamente 12:10 h. A temperatura estava na casa dos 33° Celsius. No Brasil, uma hora mais.
O Otávio conseguiu contatar o amigo. Ali mesmo nos despedimos. Eu e a Ju saímos e logo acabamos sendo alcançados por eles. É que paramos no último pedágio, o único que as motos pagam – desembolsamos 4000 Guaranis, pouco menos de dois reais. O Otávio nem percebeu e passou pelo lado. Ninguém pareceu se importar com isso. Vamos ver se a multa chega até Londrina...
Fidel, o amigo do Otávio, veio buscá-lo na estrada, acompanhado da esposa. O simpático casal estava em uma Mercedes. De dentro do carro, tiraram fotos e ainda acenaram para a gente, insistindo para que fossemos almoçar na casa deles. Não dava, porque eu tinha mesmo que chegar a Campinas antes do que chegaria se parasse em Ciudad Del Este para comer. Fica para a próxima.
Tocamos juntos, as motos e a caminhonete do Zé, meu irmão, até quase chegarmos à avenida que leva à Ponte da Amizade.
Ali nos separamos definitivamente.
Ali, a coisa ficou engraçada.
Depois de uma rotatória, já dentro de Ciudad Del Este, havia uma avenida com uma imensa fila dupla de carros e ônibus. O caminho para a ponte.
Entre as filas de veículos, passavam, incessantes, motos de serviço de táxi. Tais motos levam tudo, menos passageiros. Pelo menos, as que eu vi: menos de dez por cento estavam com garupa. Acho que fazem o transporte de muambas entre o Paraguay e o Brasil.
Não tive dúvidas. Mesmo com o meu “trambolho”, também peguei o caminho das motos e fui em frente – não com a agilidade das motinhas, evidentemente. Acho que me sai bem: só atingi um único retrovisor de um veículo parado. Anoto que não quebrou; só virou para frente. Felizmente, o dono não estava por perto.
Acabei saindo, uns dois km adiante, na alfândega do Paraguay, antes da ponte.
No Paraguay, eram 12:50 hs. Parei em frente a um prédio envidraçado (ao que eu me lembre), existente antes de se iniciar uma grande parte coberta da avenida – uma cobertura do tipo de uma quadra de basquete.
Fiz contato visual com uma pessoa que parecia ser funcionário do escritório e, de longe, perguntei para ele se era ali que eu pegaria o carimbo de saída do Paraguay. Ele confirmou, eu estacionei a moto e a Ju desceu. Fiquei do lado de fora mesmo, cuidando da bagagem.
Nem precisei descer. Em uns dez minutos, a Ju retornou com todos os carimbos e com a informação de que ninguém carimba nada na saída do Paraguay...
Saímos, passamos pela grande cobertura, cheia de veículos de todos os tipos, todos rumando para a ponte. Uma zona total.
Continuei a minha aventura motoboy ao ingressar na ponte.
Seguinte: havia uma fila de veículos indo do Paraguay para o Brasil e duas no sentido inverso. Entre as filas, o espaço para as motos-táxis trafegarem. Só que havia espaço – apertado – para uma moto e elas transitavam pelos dois sentidos, indo e vindo incessantemente.
Mais uma vez, não consigo pensar em outras palavras para descrever a situação: uma zona total!
Com os meus mais de quatrocentos quilos em duas rodas, fomos seguindo do jeito que dava. Inclusive, com alguns xingamentos de motoqueiros que não se conformavam que o trambolho ocupasse toda a “avenida particular” das motinhas.
Brasil! Meu Brasil brasileiro! Cruzamos, incólumes, a ponte. A Ju disse que durante toda a travessia da ponte, só ficou esperando o momento em que nós cairíamos naquele mar de carros, micrônibus e motocicletas.
Do lado do Brasil, havia uma baia para motos, demarcada com uma mureta de cimento. Por ali, eu não me arrisquei. Não dava para passar no espaço exíguo destinado aos veículos de duas rodas.
Fomos mesmo pelo lugar dos carros. E passamos, sem ninguém sequer nos dar boa tarde. Nada foi pedido, nem visto, nem nada. Se fosse um contrabandista de motocicleta, tinha entrado no Brasil com uma BMW GS 1200 Adventure sem qualquer problema.
O problema, em verdade, é a tal da Ponte da Amizade. Todas as autoridades constituídas do Brasil sabem que ali é o ponto de entrada de contrabando de porcariada no país. E nada é feito.
Se o Brasil quisesse simplesmente acabar com Ciudad Del Este – e com boa parte do Produto Interno Bruto do Paraguay – bastava fechar a ponte. Ou, alternativamente, bastava transformar Foz do Iguaçu em uma Zona Franca, no estilo da de Manaus. Acho que não se faz isso por uma questão de geopolítica. Com a preservação do comércio muambeiro de Ciudad Del Este, mantém-se boa parte da economia paraguaia e, por extensão, a influência do Brasil com relação ao país satélite.
Pode ser que eu esteja falando besteira, mas acho que só isso justifica o queijo suíço que é a Ponte da Amizade. Melhor seria chamá-la de Ponte da Tolerância...
De Asuncion até a ponte foram 320 km rodados. Na chegada, a temperatura estava alta: 34,5° Celsius. Mas nada de mais, perto dos 42° Celsius do Chaco.
Logo que saímos de Foz, paramos num posto quase na entrada da cidade: o Posto Três Fronteiras. Paramos para comer algo e para abastecer não a moto, mas os nossos corpos de água gelada.
Hidratados e alimentados, dali saímos às 14:50hs – agora já no horário do Brasil. Tocamos só um pouquinho e entramos na cidade de Santa Terezinha de Itaipu para sacar algum dinheiro. Tínhamos poucos reais e havia muitos pedágios pela frente.
A cidade é muito arrumadinha, arborizada e bem organizada, do pouquíssimo que deu para ver. Ela fica às margens da represa de Itaipu – por isso agregou o nome da represa ao da santa.
Dali, tocamos até uns oitenta km depois de Cascavel. Parada às 17:30hs, com temperatura de 32,5 º Celsius, no Posto Ubiratã, da cidade do mesmo nome. Quinhentos e trinta e cinco km percorridos.
No Brasil, a velocidade média aumentou bastante – apesar da pista simples de boa parte do trecho Foz do Iguaçu – Cascavel. Aliás, é inaceitável que duas cidades com tamanha expressão econômica ainda não sejam ligadas por pista dupla – e isso com a concessionária mandando brasa nos pedágios...
No posto, tive a oportunidade de bater um papo com dois simpáticos policiais federais: um rapaz e uma moça. Eles me contaram que dois dias antes estiveram em Foz, onde houve um bloqueio policial referente ao trânsito das motos-táxis. Imagino o caos que se instalou na região da ponte...
Saímos às seis da tarde. A distância até Maringá era de mais ou menos 180 km. Optamos, então, definitivamente por irmos até lá.
Tocada tranqüila, mas, ao longe, a chuva começou a armar. A armar para valer! Foi inevitável a lembrança a respeito da tempestade de Formosa, na Argentina. Às 19:25 hs. – 683 km rodados –, paramos a moto no acostamento de uma cidade que é atravessada pela rodovia. Vestimos os impermeáveis e cobri a mochila de tanque.
Tudo pronto para enfrentarmos a tempestade, mas ela não nos pegou. Pura sorte. A chuvarada estava indo na mesma direção, mas já mais adiantada.
Entramos em Maringá por volta de 20:00 hs. Paramos para perguntar qual a direção para o Parque Ingá – nas proximidades do qual estava o Hotel Ibis, onde tencionávamos nos hospedar. O senhor que nos informou disse que meia hora antes havia caído uma tempestade forte sobre a cidade. Realmente, a sorte contribuiu!
Seguimos a direção indicada e logo estávamos em frente à Catedral de Maringá – a Catedral Basílica Menor da Nossa Senhora da Glória. Ali, às 8:10 hs., setecentos e vinte e oito km rodados, paramos para agradecer a viagem bem sucedida – quase seis mil km rodados, sem nenhum transtorno real, digno de nota.
A catedral, em si, é um monumento impressionante. Ela é inteiramente de concreto e tem a forma de um cone. Um cone de mais de cem metros de altura que domina toda a paisagem, o topo encimado pela cruz. Ao redor, um enorme gramado, muito bem cuidado. Uma beleza.
Também Maringá é uma beleza de cidade. A parte central é muito bem cuidada e otimamente sinalizada. Cheia de avenidas largas, limpas, guarnecidas por parques e jardins. Ficamos extremamente bem impressionados.
Não havia vaga no hotel. Nem em outro, nas proximidades. Mas o gentil atendente japonês do Hotel Bristol – cujo nome infelizmente não anotamos – foi muito prestativo e ligou para um hotel quase em frente à catedral e NBA esquina do prédio da Prefeitura – da rede Elo. Felizmente, lá havia vaga: a última!
Há uma série de eventos acontecendo na cidade. O hotel Elo estava tomado por lutadores de jiu-jitsu da Austrália que vieram para cá fazer um intercâmbio de dez dias. Tive a oportunidade de bater um papo com alguns deles e é curioso como os caras são gentis – o que não combina com a aparência de brutamontes que têm.
O apartamento do hotel, com uma enorme varanda, tem uma vista espetacular da catedral. Depois de mais de vinte mil km rodados, finalmente me utilizei do tripé da máquina fotográfica (ele tinha ido passear em Ushuaia, porque nós nos esquecemos do dispositivo de fixação da máquina...). Tirei umas fotos noturnas da catedral, da cidade, da lua, enfim, de tudo o que deu. Algumas serão postadas aqui.
Depois de um bom banho – uma ducha fortíssima; parecia ducha escocesa, de massagem –, saímos para jantar.
Com inveja do Otávio e do Zé que foram esperados com um banquete árabe para o almoço, resolvi ir atrás da comida libanesa. Em verdade, já conhecia um restaurante libanês da cidade e o procurei por pura nostalgia.
Explico.
Há uns trinta anos, mais ou menos, fiz uma audiência em Maringá. Audiência pesada, porque o caso era grave. Tanto eu como o advogado da parte contrária, defendemos os nossos clientes com unha e dentes, mas com lealdade e respeito recíprocos.
Quando a audiência acabou, já início de noite, o colega me convidou para ir jantar em um restaurante libanês que era famoso pela boa comida.
Foi justamente atrás desse restaurante que eu fui. E o encontrei, nas proximidades do hotel.
Valeu a pena. A comida estava deliciosa. Comi as melhores esfihas da minha vida. Leves, com uma massa extremamente fina. Tudo o mais que comemos também estava delicioso.
O restaurante é o Monte Líbano. Está situado a umas duas ou três quadras da catedral, perto do Parque Ingá. O endereço é o seguinte: Avenida Anchieta 1055 – tel. (44) 3227-2047.
O próximo post é do último trecho: Maringá – Campinas.
Abraços e beijos a todos. Postagem das fotos assim que der.
Toni.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

MAIS ASUNCION

O shopping Del Sol, em frente ao Ibis onde ficamos, é bonitinho, mas não é muito grande. É o melhor da cidade. Para quem é de Campinas, tem mais ou menos o mesmo tamanho que o Galleria.
No shopping havia um improvável restaurante com aparência fina, mas nada demais. Eu e a Ju, para celebrarmos o final de viagem sem incidentes naquela chuva toda, optamos por jantar ali às oito da noite, quando abriu. O pessoal acabou por comer antes, na praça de alimentação, por causa da fome.
Surpreendentemente, os pratos eram bem elaborados, bem apresentados e a comida saborosa. Ainda como celebração pelo final feliz da viagem difícil, tomamos um espumante Chandon, da Argentina. Nada muito caro, mas nem um pouco barato para os padrões locais, como pudemos constatar depois.
Depois disso, cama!
No dia seguinte – hoje, 18 de janeiro –, resolvemos dar uma volta pelo centro da cidade. E confirmamos que não há nada para se fazer por aqui. Asuncion é uma cidade grande – cerca de um milhão de habitantes – sem maiores atrativos.
Prédios públicos, uma catedral sem nenhuma beleza arquitetônica especial e muito mal conservada externamente (toda suja de excrementos de pombos, apesar de o presidente ser um Bispo...). Algumas praças – uma delas totalmente ocupada por índios em barracas feitas com plásticos pretos. Muitas lojas e alguns restaurantes não inspiradores. Um centro comercial com diversos andares, de aparência igual àqueles que são encontrados na Santa Efigênia, em São Paulo. Um panteão em homenagem aos soldados paraguaios. E só.
Como se não bastasse, um calor estúpido que nos fazia entrar constantemente nas “tiendas” mais diversas, só para baixar um pouco a temperatura corpórea. Para piorar, em lugar nenhum encontramos água. Todo tipo de refrigerante e “gaseosas” diversas, mas água não.
É, meus amigos! Estive em Asuncion há mais de trinta anos e não percebi a ocorrência de mudanças significativas na cidade, do que me lembro. Até o prédio do Hotel Guarany – construção no centro da cidade, com um ângulo afilado em uma das laterais, que já serviu de estampa no passado para uma das notas do dinheiro local – continua o mesmo.
Também os ônibus do transporte público são os mesmos – ao menos, são muito parecidos. Uns Mercedes antigos, daqueles com capô na frente – como os caminhões. Parecem jardineiras. Cruzam a cidade o mais veloz que podem, apinhados de gente.
Sobre a cidade, nada mais para se dizer. Então, voltemos à viagem.
Amanhã, retornaremos ao Brasil. Estou até entusiasmado. A saudade de casa – e do país – começa a bater.
Iremos de Asuncion a Ciudad Del Este, a segunda mais importante do país, junto a Foz do Iguaçu, na fronteira com o Brasil. Daqui lá são mais ou menos trezentos e vinte km. Segundo consta, algo entre cento e vinte e duzentos km de pista dupla. A variação se deve às informações desencontradas que os locais nos prestaram.
O Zé e o Otávio vão parar em Ciudad Del Este para visitar um amigo deste que os espera para almoço. Depois, suponho, vão dar uma olhada no comércio da cidade.
Será o fim da viagem juntos, porque eu e a Ju seguiremos direto, uma vez que temos compromissos no Brasil. Sábado, já viajaremos novamente, agora com a companhia da Analulu, de quem estamos morrendo de saudades!!!!!
É claro que posteriormente contarei sobre o último trecho: o do Brasil.
Abraços e beijos a todos. Se houver fotos – não sei se las hay – a Ju fará as postagens. Toni.
P.S. A Ju percebeu algo muito interessante no jeito que os paraguaios falam. É um castelhano com uns “erres” bem marcados, tipo Piracicaba. Uma garota em uma tienda nos disse que tomava muito tererê porque o calor era muito fuerrrrrrrrrrrrrrrrrrrte!!!
Ah! O tererê é uma espécie de mate que eles tomam frio.
Tchau.

DÉCIMO TRECHO - CORRIENTES - ASUNCION - PARAGUAY




Dezessete de janeiro de 2011. Don’t cry for me, Argentina, porque desta vez a partida é para lo siempre. Hasta La Vista, Baby. Agora é Assuncion – Paraguay.
Décimo trecho curto. Trezentos e poucos km. De Corrientes a Asuncion, com tempo ruim.
A previsão, logo às sete da manhã, era de diminuição da temperatura no Chaco, de 43° Celsius para cerca de vinte graus. E, como consequência, de temporal com ventania, no Chaco e em Formosa. A previsão era, ainda, de 100 mm de chuva em três horas. O chamado aguaceiro.
Formosa estava no olho da tempestade. E é justamente por Formosa – a província mais ao norte da Argentina – que passa a nossa Ruta.
Sobre o temporal, escrevo mais à frente. Primeiro, devo contar sobre a saída de Corrientes.
Saímos por volta das 10:15hs., com temperatura de 27,5° Celsius. Céu todo encoberto. Poucas quadras percorridas, já estávamos na avenida de saída, a que liga a cidade à ponte sobre o Rio Paraná e que já é o começo da Ruta. Tínhamos que ir até uma rotatória em frente à entrada de Resistência – a cidade do outro lado do rio – e ali pegar a Ruta 11, sentido norte, para a cidade de Clorinda, na fronteira com o Paraguay.
A tal avenida (Avenida 3 de Abril, se eu não me engano) tinha coletoras, mas não tinha qualquer aviso. O Otávio, seguindo à frente, foi para a pista central. No primeiro semáforo, ele disse algo como “não tem placas, podemos ir”.
Não havia mesmo qualquer placa que indicasse proibição do tráfego de motos. Só que eu reparei que, de moto, apenas nós estávamos na pista central. Nas laterais, passavam todas as motinhas, do pessoal sem “casco”.
Não deu outra. Quando chegamos à cabeceira da ponte, no ponto onde há uma saída – feita mal e porcamente – da coletora para a pista central, havia um posto de controle policial. Ali as motos foram paradas, mas o Zé com a camionete não.
O policial que nos parou pediu que estacionássemos as motos ao lado da pista e que o acompanhássemos até um escritoriozinho na beira da avenida. Ali, havia outro policial – aparentemente o chefe – que examinou nossos documentos e disse que não podíamos trafegar pela pista central, porque era proibido por questão de segurança. “Hay muchos camioñes” disse ele, “que puedem colidir com las motos”.
Dissemos que não havia qualquer sinal indicativo da proibição, diferentemente de Resistência e Presidência Roque Saenz Peña, onde há placa que sinaliza a vedação do trânsito das motos pela pista central. O Otávio chegou a mostrar uma fotografia do sinal para o guarda de trânsito.
O policial fez referência a alguma coisa verde – que eu não entendi direito – e insistiu que a restrição era para a proteção dos motociclistas de motos grandes do Brasil, Argentina e Colômbia. Proteção, mas ao lado passavam as motinhas argentinas com gente sem capacete...
Ele admitiu que não havia mesmo qualquer sinalização e acabou por nos liberar, sem aplicar multa ou sem pedir qualquer propina para a gente. Tivemos sorte, porque o policial teve bom senso.
Se fosse um policial corrupto, teria pedido dinheiro para não aplicar a multa. Porque a restrição em Corrientes é uma verdadeira arapuca e nós, motociclistas estrangeiros, somos os passarinhos desavisados.
Ainda bem que ele não pediu dinheiro, porque eu não pago propina de jeito nenhum. Nunca paguei por questão de princípio e de formação. Não vai ser agora, depois de velho, que vou começar a fazer isso.
Demoramos uns quinze minutos por ali, mas, como dito, o policial acabou por nos liberar sem aplicação de qualquer multa. Disse ainda que avisaria a polícia do outro lado pelo rádio, para que soubessem que passaríamos e que já tínhamos sido submetidos ao controle.
Fica o alerta. Quem passar de moto por Corrientes não deve andar nunca pela pista central da avenida que saí na ponte para Resistência e para o Chaco. Andem nas laterais, por piores que pareçam. Isso também vale para Resistência e para Presidência Roque Saenz Peña. Evita problemas.
Esse foi o primeiro contratempo. Depois, veio o segundo. A chuva prevista no Noticero.
Já na estrada em direção a Formosa – a capital da província do mesmo nome, situada mais ou menos entre Corrientes e Clorinda –, o céu fechou de tal forma que parecia um teto rebaixado, de pesadas nuvens negras. Numa reta, vendo o céu opressivo ao longe, tive a impressão que iríamos tomar rumo diverso e desviar daquilo que se anunciava.
Vã esperança.
A estrada virou justamente para o lado em que a tempestade estava com a “faca nos dentes”. Viramos com ela e o temporal nos apanhou de jeito. Chuva forte, muito vento lateral, visibilidade próxima do zero.
Parei em um posto policial, esperando o Otávio e o Zé que tinha ficado para trás (o Otávio havia parado poucos km antes para colocar os seus impermeáveis. Eu e a Ju já tínhamos saído com os nossos forros).
No posto policial – uma cobertura sobre a pista, na qual cabem uns quatro carros enfileirados; é assim em toda a Argentina –, havia muitos veículos parados em fila dupla, esperando a chuva acalmar. Logo, o Otávio e o Zé chegaram. Esperamos uma leve diminuída da chuva e fomos, vagarosamente e com o pisca-alerta ligado, até um posto de gasolina distante uns três km. Paramos, esperamos mais um pouco e a chuva amansou. Retomamos a “Ruta” e, de repente, o céu desabou! A chuva e o vento voltaram com tudo! A visibilidade era zero. Nada indicava que o tempo iria melhorar.
Um cenário de terror. Eu e a Ju, pelo menos, ficamos aterrorizados. Nunca havia conduzido a moto por tanto tempo, em uma chuva tão forte assim. Uma vez, eu e a Ju fomos apanhados por uma chuva de granizo em Bragança Paulista, mas por poucos minutos. Na Argentina, não. A chuva deu a impressão que tinha vindo para ficar.
Não conduzi a moto. Tateei como um cego na escuridão.
E não havia como voltar, nem como parar, porque não existem abrigos ao lado da pista.
Cautelosamente, tocamos mais alguns km, com todas as luzes acesas e com o pista-alerta ligado – o que todos os veículos faziam – até encontrarmos novo posto policial, onde esperamos, de meia a uma hora, nova diminuição da chuva.
A chuva acalmou, nós saímos e ela não gostou. Aumentou de novo. Não tão forte quanto antes, mas suficientemente brava para tornar a condução arriscada.
Por sorte, estávamos perto de Formosa, cerca de cento e setenta km a partir de Corrientes. Tocamos até ali.
Havia, na entrada da cidade, um posto de gasolina à esquerda e uma rotatória para alcançá-lo. Contornamos a rotatória – em verdade, fizemos Jet-sky com as motos, porque a pista estava toda alagada – e ingressamos no tal posto. Abrigados finalmente, lanchamos. Também abastecemos as motos com o combustível extra trazido na camionete do Zé.
Torci as minhas meias e tirei dois peixinhos da bota, que parecia um aquário de tanta água. Como comentou apropriadamente a Ju, as nossas roupas são mesmo impermeáveis, porque a água entra e não sai...
Seguimos. Aí, sem chuva. Só uma breve garoa que não assustava em nada. A moral ficou alta novamente e eu e a Ju até começamos a cantar dentro de nossos capacetes que mais pareciam máscaras de mergulho, de tanta água que tinham.
Pouco à frente, uma nova nuvem assustadora. Escura, tinha a forma de um charuto de centenas de km. E extremamente baixa. Ali parada, ameaçadora. Nunca vi nada parecido. Era como se ela olhasse para a gente e dissesse algo como “vou pegar vocês!”
Felizmente, o que ela tinha de extensão, não tinha de largura. Como disse, era um charuto. Passamos rápido e conseguimos escapar da tempestade que ela abrigava. Não sei se fez estrago, mas que deve ter caído muita água logo depois, isso deve.
A partir daí, a viagem finalmente foi tranqüila. Tempo nublado, temperatura amena, a tal da garoazinha leve que persistiu até Clorinda – como escrevi, a cidade argentina na fronteira com o Paraguay.
Na periferia da cidade, acabamos por nos perder um pouquinho, mas não demorou quase nada para reencontrarmos a “Ruta”. Coisa de cinco minutos.
Logo depois, a uns dez km, talvez nem isso, a fronteira. Que foi anunciada por filas intermináveis de caminhões, principalmente de cegonhas carregadas de automóveis. Inevitavelmente pensamos que transportavam veículos furtados do Brasil.
Mas não eram. Trata-se de importação de veículos usados do Oriente – principalmente Japão. Coisa muito comum no Paraguay. Foi o que nos informaram no Chile, por onde muitos veículos passam. Decerto, desembarcam lá.
Pensando bem, pode ser que parte dos veículos veio do Brasil...
Chegamos à fronteira. Trezentos km rodados. O Paraguay.
A fronteira
A alfândega (conjunta) nos mostrou que já estávamos no Paraguay, com todo o respeito que merece a gente do país. Atravessamos filas de caminhões estacionados lado a lado. Passamos uma ponte pequena sobre um riacho – divisa entre o Paraguay e a Argentina – e chegamos aos escritórios locais. Estacionamos as motos em fila, em um local indicado por pessoas que pareciam funcionários da fronteira. Portavam até crachás.
Não eram. Eram (uma espécie de) despachantes. Pegam você pela mão e explicam o caminho das pedras da burocracia fronteiriça. Depois, pedem uma caixinha.
Dei quarenta pesos argentinos para o meu despachante. Mais ou menos vinte reais.
Achei barato.
Gostei do serviço.
O “despachante” me levou certinho de um guichê para o outro – passei por uns quatro ou cinco – e me indicou corretamente quais os documentos precisava exibir para cada funcionário dos diversos escritórios. Ele ainda me indicou um “cambista”. Aliás, o local está coalhado deles, com a absoluta complacência das autoridades locais. Não vi nenhuma agência de câmbio regularmente instalada.
Troquei cem pesos argentinos, por cem mil guaranis. Eles insistiram que eu trocasse mais. Não quis. Depois, verifiquei em um casa de câmbio dentro do Shopping que cem pesos estavam valendo cem mil e quinhentos guaranis, mais ou menos. Como um real vale aproximadamente 2.750 guaranis (cotação de hoje), o cambista da fronteira teve um espantoso lucro de uns dezoito centavos de real... De quebrar as pernas de qualquer um.
Nem o funcionário da alfândega argentina era igual aos que nos atenderam anteriormente, na fronteira do país com o Brasil e com o Chile. Parecia mais do Paraguay. Não sei explicar por que, mas tenho certeza que vocês entendem exatamente o que eu quero dizer...
Ainda que útil, o serviço de despachante – e os cambistas – na alfândega é um absurdo. A polícia não deveria permitir isso. A Ju ficou extremamente indignada.
Há mais.
Os funcionários sequer quiseram ver os meus sobrinhos – a Amanda, inclusive, é menor. Contentaram-se com a exibição dos passaportes deles pelo meu irmão. Supondo-se que fossem pais que tivessem vendido ou abandonado os filhos na Argentina, eles poderiam entrar no Paraguay e ainda comprovar que também as crianças ingressaram oficialmente no país. Uma baderna.
É por isso que desconfiamos constantemente do Paraguay. Porque as coisas aqui não são feitas corretamente. O “jeitinho” brasileiro é um principiante perto do que ocorre no Paraguay.
Bom, já por aqui, andamos mais uns 40 km. Estrada asfaltada e regularmente sinalizada – mas não é mais o asfalto da Argentina. Um certo trânsito que dificultou um pouco as ultrapassagens. Muitos veículos velhos.
Atravessamos uma ponte sobre o rio Paraguay e do outro lado estava a cidade. Chegamos à periferia e caímos em uma espécie de grande avenida, com trânsito intenso. Havia muitas motos, em sua maior parte pequenas, de marcas desconhecidas.
Não sei se foi impressão minha, mas as pessoas não pareciam olhar para as nossas motos com admiração, como na Argentina. Olhavam parece que avaliando quanto poderiam tirar com o repasse delas...
Isso é o Paraguay, meu irmão! Mas a gente tem culpa no cartório. Na guerra, a tríplice aliança acabou com isso aqui, que era um dos países mais desenvolvidos do continente no Século XIX. Hoje, é isso.
Ficamos no Ibis, ao lado do Sheraton e em frente ao Shopping Del Sol, o maior da cidade. Tudo na parte aparentemente mais nova e mais rica da cidade.
Chegamos às 17:00hs. A temperatura era de 26,5° Celsius. Foram 341 km rodados.
Fotos com a Ju. Tem uma da nuvem que não mostra exatamente o que foi o céu que enfrentamos, mas mostra um pouco.
No próximo post, Asuncion.
Abraços e beijos. Toni.

domingo, 16 de janeiro de 2011

NONO TRECHO - SALTA - CORRIENTES - O CHACO ARGENTINO






Este post será curto.
Dezesseis de janeiro de 2011. Domingão do Faustão, mas não aqui na Argentina total.
Nono trecho comprido. O mais comprido da viagem. Cerca de oitocentos km. De Salta a Corrientes. E com tempo bom, o que é ruim. É que o trecho é daquela famosa travessia do Chaco Argentino, sobre a qual escrevi no post do quinto trecho. Com tempo bom, calor inevitável.
De Salta a Corrientes foi verdadeiramente um pé no Chaco.
Se a temperatura em Corrientes estava 19° Celsius, quando saímos às sete da manhã, ela logo começou a subir. No início do Chaco, em Joaquim V. (V?) Gonzalez – duzentos e dezoito km rodados – antes das nove, a temperatura estava acima de trinta graus.
E continuou a subir. Às 11 da manhã, trinta e sete graus. Ao meio-dia chegou a quarenta graus. Ali ficou muito tempo e na parada em Pampa de Los Infiernos (belo nome...) – 560 km rodados – a temperatura era de quarenta e dois graus. Rodamos muchos km nessa temperatura. A Ju fotografou para comprovar.
Para ajudar me deu dor de barriga. Com aquele calor, fraquejei tanto que acabei dormindo em uma das paradas.
Nova parada em Presidência Roque Sainz Peña – 640 km rodados – uma das opções de pouso, descartada. Parece que a cidade não tem nada de interessante – um bom restaurante, por exemplo. Às 16:20h., 40° Celsius.
Rodamos o tempo todo no Chaco com 40/42°. E nos disseram que chega a cinquenta – ou seja, para os padrões locais, a temperatura estava amena.
No meio dos meus delírios tocando a moto, pensei porque existiram pessoas – os Defensores Del Chaco – que lutaram por esta porcaria.
O Chaco é isso. Mato e calor, entremeado de cidadezinhas com nomes apropriados para o local: como Rio Muerto, por exemplo.
Depois das cinco da tarde, a temperatura finalmente amainou. Ficou entre... 39 e 40 graus. Mais para o último. Aí, às cinco e meia, realmente baixou para trinta e nove. Bem agradável, com as roupas de cordura.
A chegada a Corrientes, no bom hotel Guarany – ótima relação custo/benefício (duzentos e sessenta pesos o casal – no Brasil, um hotel dessa qualidade custa no mínimo o dobro) se deu às 18:50hs. A temperatura, enfim, estava agradável: 37,5°. Agradável para tomar uma Quilmes beeemmmmm gelada, que é justamente o que estamos fazendo agora – depois de um bom banho frio, é claro.
Oitocentos e dezoito km rodados, na minha mais desgastante viagem de moto. É, Nery, meu capitão, o deserto vai pegar!! Ainda bem que a gente vai em setembro!
No mais, quem for passar pelo Chaco, não se esqueça: além do calor insuportável (mas nós suportamos... pensava na Quilmes gelada para me estimular), tem as armadilhas caça-níqueis das coletoras de Presidência Roque Saenz Peña e Resistência.
Sobre as coletoras – marginais para motos e bicicletas, ao lado da rodovia – penso que as autoridades não estão nem aí para a segurança dos motociclistas. Se estivessem, não permitiriam o desfile de motos de todos os tipos, com condutores sem o “casco” (o capacete deles...) e cheias de gente – papai, mamãe, filhinha e nenê. Essa história de jogar as motos grandes como as nossas para uma pista lateral, mal sinalizada, onde trafegam lambretas e bicicletas, é uma oportunidade de ouro para policiais corruptos pedirem propina para não aplicarem multas. Nós não caímos nessa, mas muitos motociclistas brasileiros foram pegos.
Não se esqueçam: quem viajar de moto pelo Chaco – Ruta 16 –, além do calor, deve tomar cuidado com as coletoras de Presidência Roque Saenz Peña e de Resistência. Um Chaco.
Acabou. Não foi tão curto assim...
Fotos com a Ju. Do termômetro da moto, da hacienda de gado gigantesca perto de Joaquim V. (V?) Gonzalez e de um trecho da estrada do Chaco - a Ruta 16. E tudo mais que ela quiser. Mas as fotos não são muitas, porque ela estava entorpecida pelo calor. Como todos.Também peguei uma emprestada, da placa indicativa de Pampa dos Infiernos.
Amanhã, vamos para Assuncion. Sem hora para sair, porque o trecho é bem mais curto e mais suave. Aliás, tudo é mais suave do que o calor do Chaco.
Abraços e beijos. Toni.

sábado, 15 de janeiro de 2011

OITAVO TRECHO - SAN PEDRO DE ATACAMA - SALTA






















O trecho
Treze de janeiro de 2011. De volta para a Argentina. De San Pedro de Atacama a Salta. Cerca de seiscentos km. Duas alfândegas. Grandes variações de temperatura.
Como o sétimo trecho – a ida para San Pedro –, mesmo mais curto, foi muito desgastante, havia certa apreensão com relação ao cansaço nesta viagem.
Surpreendentemente, a volta foi mais tranqüila que a ida e machucou menos, ainda que rodados duzentos km a mais.
Em verdade, o cansaço não vem só do número de km que se roda, mas de uma série de outros fatores. Por exemplo, fazer alfândega depois de uma viagem cansativa, com temperatura alta, “quebra as pernas” do vivente. Foi o que ocorreu quando chegamos em San Pedro.
Saímos às 8:15h. do hotel. A temperatura era de uns 12° Celsius à sombra. No sol, um poquito más. Chegamos à alfândega cinco minutos depois e pegamos uma fila que tinha umas vinte pessoas, mais ou menos.
Suerte! Ainda não tinham chegado as vans dos diversos passeios na Bolívia, nem o ônibus dos peruanos.
Parece que algumas linhas regulares do Peru para a Argentina passam pelo Chile. O resultado é uma fila imensa de peruanos em San Pedro. Às vezes é possível evitá-los, chegando à alfândega no horário de abertura – ela funciona das oito às vinte e três horas.
Além da fila pequena, nos foi dito – ufa! – que não havia qualquer formulário a ser preenchido. Fizemos a alfândega rapidamente, com atendimento cordial, e fomos à aduana (no mesmo prédio). Aí, a fila era mais comprida. A do lado, no entanto – a da alfândega –, tinha quintuplicado de tamanho. Nesse meio tempo, chegaram dois ônibus de peruanos... Além disso, também chegaram as vans com os turistas da Bolívia.
Na aduana – que se faz para liberação dos veículos –, havia muitos caminhões cegonha esperando autorização para seguirem em frente e houve certa demora. Até que um funcionário da alfândega veio até a fila e nos perguntou se estávamos de salida. Como estávamos, pegou os formulários das motos e da camionete do Zé, acompanhou-nos até o local onde estacionamos os veículos, fez a conferência das placas (só isso na saída – não há qualquer exame de bagagem) e nos liberou.
Depois de colocarmos os forros (porque pela manhã é bem frio na alta montanha), saímos às 9:15h, com agradáveis 19° Celsius. O Zé já tinha começado a subir o aclive de quarenta km do início da Ruta.
Subimos rapidamente e logo estávamos a mais de quatro mil metros de altitude.
E a temperatura baixou. Bastante.
O termômetro da minha moto chegou a marcar 5° Celsius. Três brasileiros – todos de BMW – disseram que os termômetros das motos deles acusaram 3° Celsius de mínima. Vimos riachos congelados e flamingos encolhidos se protegendo do frio.
Esqueci de trocar a luva. Estava com as de couro, que têm uns furinhos para ventilação. Resultado: os meus polegares começaram a congelar. Em todo o trajeto mais frio, mexi muito os polegares e cheguei a dar tapas no peito para aquecer as mãos. Sem o aquecedor de manoplas, estaria literalmente numa “gelada”.
Mesmo com os polegares gelados, não deixei de apreciar a paisagem maravilhosa dos Andes. E a viagem no asfalto perfeito, com movimento de veículos próximo do zero, foi realmente um passeio. Chegamos rapidamente ao Paso de Jama, a alfândega argentina, por volta de 10:40h., com temperatura de 14° Celsius. Cento e sessenta km rodados em uma hora e vinte e cinco minutos. Nada mal.
A alfândega e a aduana foram tão tranqüilas que chegaram a dar tédio. Além dos três brasileiros de moto, não havia mais ninguém, só eu e o Otávio. O Zé ficou para trás, mas apareceu logo e também passou pelos procedimentos rapidamente. Os funcionários argentinos foram extremamente solícitos, pacientes com o nosso irritante portunhol e muito simpáticos. A vistoria de bagagem – mesmo na camionete – foi bem superficial e só pró forma.
Saímos e logo paramos no posto ao lado dos escritórios de fronteira argentinos. Eram 11:30hs. Abastecimento (inclusive do galão que está na camionete, para qualquer eventualidade...) e lanche. Lanche! Foi ótimo porque optei por não comer nada – só um chá – e estava precisando.
Parada de meia-hora. Retomamos a Ruta às 12:00hs.
Tocada tranqüila até Susques, com 271 km rodados desde San Pedro. Chegamos mais ou menos às 13:00hs, com temperatura de 20° Celsius.
Ali no restaurante tive a primeira notícia péssima da viagem: a tragédia do Rio de Janeiro, o que entristeceu a todos.
Até quando vão continuar a ocorrer tais tragédias no Brasil? O que é pior, tragédias evitáveis. Mas não vou escrever disso aqui. Só fica o inevitável registro.
Almoçamos e retomamos a viagem às 14:10hs. Temperatura de 23° Celsius. Já sem os forros, porque a previsão era de que a temperatura não baixaria mais tanto como no Chile.
E não baixou. Mesmo na alta montanha da volta – 4.200 mts., a 33 km de Purmamarca – chegou a tranqüilos 17° Celsius.
Antes da nova montanha, enormes trechos desertos – e de deserto – com retas intermináveis. Como as motos estavam rendendo muito bem, com baixo consumo e sem perda de potência (O Otávio, que é especializado em motores, não soube explicar exatamente o que se passava), resolvi dar uma esticada. A moto atingiu, sem maiores dificuldades, os cento e noventa km por hora. Absolutamente estável, neutra, com o giro do motor dentro da margem de segurança. Tudo isso com garupa e bagagem. Essa moto é mesmo uma estradeira espetacular!
Falando nisso, a subida e descida desse trecho de montanha foi um espetáculo à parte.
Faço uma pergunta: você já não pegou a mesma estrada em sentido inverso e teve a impressão que estava em um lugar completamente diferente? Pois essa foi a sensação nas vizinhanças de Purmamarca. Parecia mesmo outra Ruta, muito mais bonita que a da vinda.
Não me lembro de ter viajado em nenhuma estrada tão espetacular, tão espantosa, com uma natureza tão exuberante, como a do referido trecho. As tais multicores das montanhas e da Quebrada de Humauaca apareceram com tudo. Ora verde, ora vermelha, ora amarela. Ornamentadas de cactos. Ficava até difícil se concentrar na estrada com tanta beleza em volta.
Mas eu me concentrei. Porque se você não se concentrar, fácil, fácil, sofre um acidente nas incontáveis curvas de noventa, cento e vinte e cento e oitenta graus que a estrada tem nas proximidades de Purmamarca.
Fizemos muitas imagens. Paramos, fotografamos e gravamos vídeos do Otávio e da Inha descendo. Eles fizeram o mesmo com relação a nosotros. As imagens serão trocadas oportunamente, com entrega simultânea dos disquetes... Porque eu pago qualquer preço para ter tais registros!!!!
Chegamos em Purmamarca, com 404,5 km rodados, às 16:00hs. A temperatura era de 25° Celsius. Mas ela iria subir mais. Muito mais.
Paramos para esperar o Zé e esticar as pernas. Ele chegou logo e já saímos, às 16:15hs., com destino a Jujuy.
Aí a tocada ficou um pouco mais lenta, porque entre Purmamarca e Jujuy – capital da província do mesmo nome – o trânsito aumentou muito. Ainda descemos montanha, tendo como pano de fundo um vale muito verde. Descemos em fila indiana, porque os pontos de ultrapassagem simplesmente sumiram.
Os controles policiais começaram a aparecer. Entre Purmamarca e Jujuy foram três, mas não nos pararam nenhuma vez. A camionete acabou por ficar para trás, porque as motos são evidentemente mais ágeis nas ultrapassagens agora difíceis. Esperamos o Zé no acostamento, nos arredores de Jujuy. Ele demorou um pouco mais, mas chegou bem. Paramos em um posto – da Petrobrás, mas com outro nome (talvez para não espantar os argentinos...): Refinor.
Quando estava abastecendo, veio até a minha moto uma argentina muito simples e humilde, de nome Adriana. Perguntou de onde vínhamos e ficou encantada ao saber que éramos do Brasil. Entreguei um adesivo do blog para ela que disse que iria escrever. Estou curioso para ver.
Esses contatos com o povo argentino são sempre muito agradáveis. Eles são cordiais, atenciosos, gentis e interessados na viagem.
Saímos do posto em direção a Salta, destino final do trecho. Saída às 17:50hs.
Apesar da distância rodada, estávamos bem. Pouco cansados.
Mas o calor apertou...
A pior coisa que existe em andar de moto é o calor. Trata-se de uma questão de bom senso a utilização das roupas de proteção e elas, por mais dispositivos de refrigeração que tenham, são quentes. Quando o calor aparece, o desgaste aumenta muito e a disposição diminui em proporção inversa.
A temperatura subiu para trinta e cinco graus e meio. Seis da tarde. Variação térmica de mais de trinta graus, desde o início da viagem. Não é mole, não! Nery, meu comandante, temos que ficar de olho nisso, na Route 66!!
Na saída de Jujuy, há um trecho de uns trinta km até a entrada do aeroporto, em pista dupla. Aí tudo bem, porque a gente anda livremente e espanta um pouco o calor. Depois a pista ficou simples. A velocidade diminuiu e o sofrimento aumentou, pela falta de refrigeração.
E foi diminuindo, diminuindo, diminuindo... Até pararmos, atrás de um caminhão, na cidade de General Güemes, onde havia um cruzamento de uma avenida com a pista, sinalizado por semáforo. O semáforo mais lento e preguiçoso que já vi. Demoramos uns dez minutos, com anda e para, para atravessarmos o tal cruzamento.
Um pouco mais de pista simples e, cerca de uns quarenta km de Salta, pegamos novamente pista dupla. Aí, mesmo mais cansados, foi mais tranqüilo.
A chegada em Salta – quinhentos mil habitantes, capital da província de mesmo nome – ocorreu em meio ao tráfego pesado de veículos que uma cidade de tal porte normalmente tem. Mesmo assim, foi tudo bem até a entrada do hotel.
Chegamos às 19:40hs. Temperatura de 30° Celsius. Exatos 582 km rodados – pouco menos dos seiscentos estimados. Aí fomos estacionar as motos e a camionete na garagem do hotel. Garagem minúscula que exigiu a realização de incontáveis manobras e que, pelo cansaço e pelo stress da viagem, acabou por gerar uma discussão compatível com a temperatura ambiente entre eu, o Zé e o Otávio.
Uns argentinos chegaram depois e também ficaram irritados com o estacionamento ridiculamente pequeno do hotel. Um deles passou com o veículo por cima de um saco de lixo. Achou que tinha batido, desceu e muito bravo passou a chutar os sacos, com uma potência de dar inveja ao Messi.
Finalmente, uma hora depois – isso mesmo, uma hora de procedimentos de estacionar, descer bagagem e subir com as coisas – nos instalamos. O hotel – Portal de Salta na Calle Alvarado nº 341 – é bonitinho e confortável (exceção da garagem...). É todo trabalhado em madeira e perto do centro – a parte interessante da cidade. Não sei o preço agora, porque foi o Otávio quem fez a reserva. Acho que não é dos mais caros. Convém verificar na Internet.

Salta, “La Linda”
Instalados, banho tomado, saímos para jantar. Num restaurante muito bom – e há muitos deles por aqui – chamado “O Convento”. Fica a umas três quadras do hotel. O nome se deve à proximidade do convento e da Igreja de San Francisco, um prédio vermelho, de estilo espanhol, muito bonito. Eu adorei; a Ju não. Achou um pouco extravagante.
Sobre o estilo espanhol, este é o da cidade, a segunda mais antiga da Argentina – a primeira, se eu não me engano, é Tucumán; tenho certeza que não é Buenos Aires.
Salta tem mais de quatrocentos anos. Estilo predominante, mas não único, porque há alguns prédios de arquitetura francesa por aqui, também bem bonitos e que fazem uma mescla interessante.
A cidade tem o apelido de “La Linda”. Apelido totalmente justo. Porque a cidade é linda mesmo. Linda e agradável, totalmente arborizada, rodeada de montanhas, cheia de gente na rua, em pleno dia da semana, enchendo as calles, os bares, o comércio e as livrarias.
A Plaza Central é do tipo das espanholas. Nela, está localizada a catedral, um prédio muito bonito, pintado de cor-de-rosa. Em torno da Plaza há museus, hotéis, cafés, bares, restaurantes e um teatro, onde se apresenta a orquestra sinfônica e o balé da cidade.
Plazas na cidade é o que não falta. Uma atrás da outra, em todos os lugares que fomos. E todas cheias de gente. O salteño tem orgulho de dizer que a cidade é assim alegre porque não há problema de violência. Diferente da capital... É o que todos dizem por aqui. Que Buenos Aires hoy es muy peligrosa.
Fizemos um tour pela cidade, com um ônibus aberto. Quarenta e cinco pesos por pessoa. Mais ou menos vinte e cinco reais, arredondando para cima. Passeio com ótima relação custo/qualidade. Vimos todos os pontos de interesse e o motorista – Artur – deu-nos todas as explicações necessárias, detalhadamente, em cada ponto de parada. Nem precisava, porque no ônibus roda um vídeo com narração clara em espanhol e inglês a respeito de cada local visitado.
Na parada Paseo dos Poetas (belo nome...) há um local particularmente interessante: o Pateo de Las Empanadas.
As empanadas salteñas são famosas na Argentina. São típicas da região. Em todo bar ou restaurante há empanadas. Deliciosas, de carne, frango ou queijo.
O tal pateo é um local que concentra umas dez ou doze barraquinhas, do tipo de um mercado, que só fazem empanadas ou tamales (uma espécie de pamonha salgada, com carne). Há até um concurso anual entre as barraquinhas, para se eleger qual faz a melhor empanada.
Escolhemos a nº 3, por indicação do motorista. Depois de provar uma, deliciosa, contei para a senhora que preparava as empanadas sobre a indicação. Ela não pareceu surpresa e só disse algo como “claro, yo soy la campeã do concurso deste año”...
Compramos uma dúzia e meia de empanadas, por trinta pesos. Quinze reais. Menos de um real por unidade. Baratinho e delicioso.
Dentre os locais que vimos, um merece particular referência: é a estação de onde parte o Tren de Las Nubes. Trata-se de um passeio turístico que é feito em ferrovia de mais de quatro mil km de altitude, passando por diversos viadutos inacreditáveis. Só que no período das chuvas, o passeio é interrompido, uma vez que o solo fica muito fofo e os viadutos podem afundar, se o trem passar...
Vou voltar aqui para fazer o passeio. De preferência com meus filhos. E quero voltar a Salta porque das inúmeras cidades argentinas que já conheço, foi a que mais gostei. Ouso dizer que gostei daqui mais do que de Buenos Aires.
Há muito mais para dizer/escrever. Mas não direi, porque cansa. E assim acabarei por espantar os dois leitores.
Só mais duazinhas coisas.
A primeira: vimos uma exposição no centro cultural da cidade, ao lado da praça. É um trabalho de uma artista plástica local, com crianças. Ela tomou o livro de perguntas irrespondíveis do Pablo Neruda e apresentou tais perguntas sem respostas para diversas crianças. Os “chicos” responderam e fizeram pinturas, ilustrando as respostas. Uma mais encantadora que a outra. Separei uma para vocês: “O que as tartarugas fazem quando estão tristes?” A resposta, óbvia: “Vão ao psicotartaruguista falar dos seus problemas!!!” Vejam a foto da pintura encantadora feita pela gênia da resposta. Nem preciso dizer que eu e a Ju compramos o livro para a nossa respondedora de perguntas, a Analulu.
A final: é curioso, mas voltar para a Argentina sempre me dá a sensação de voltar para casa. Não tenho dúvidas que aqui é o hogar na América do Sul que me sinto mais à vontade, depois do Brasil. Só sinto o mesmo em Portugal. Aliás, como são legais a Argentina e Portugal!!!
Como sempre, fotos com a Ju, assim que eu liberar o computador para ela.
Amanhã tem mais estrada. Esta provavelmente vai pegar. Ou seiscentos, ou oitocentos km pelo Chaco – que possivelmente estará fervendo, ao contrário da temperatura amena da vinda. Iremos até Presidência Roque Saenz Peña ou, se agüentarmos, até Corrientes.
Abraços e beijos a todos. Toni.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

BOLÍVIA - CONTINUACION






Janeiro de 2011. Ainda na Bolívia. Não sei a data, porque perdi a noção do tempo totalmente.
Como já escrevi no post anterior, o terceiro dia na Bolívia foi o do passeio no Salar de Uyuni.
O Salar de Uyuni é um depósito de sal – um deserto de sal – situado no Altiplano Boliviano a cerca de quatro mil e cem metros de altitude, de 12.000 km2 (isso mesmo, doze mil quilômetros quadrados) de área. Nas bordas (“orillas”, como os bolivianos denominam), a profundidade da camada de sal é de quatro metros. Na parte mais central, a camada de sal tem cerca de cem metros de profundidade – já houve prospecção que encontrou a camada a duzentos metros abaixo da superfície.
Não há qualquer vida no salar, a não ser a dos bolivianos que trabalham nele e dos turistas que o visitam – em número cada vez maior, a cada ano.
O Salar de Uyuni é o maior do mundo. Supõe-se que seja também a maior reserva de lítio do mundo – o petróleo do futuro, uma vez que as baterias são feitas do referido mineral.
Enquanto a Bolívia não consegue processar comercialmente o lítio encontrado no salar, a exploração econômica da riqueza é limitada à produção de sal de cozinha, à fabricação de blocos para construção e ao turismo.
É aqui que nós entramos. No turismo. O passeio no salar é uma das coisas mais belas que já fiz em minha vida – não obstante todo o sacrifício da viagem, desde San Pedro de Atacama. É simplesmente inacreditável a beleza do local. Foram cerca de cem quilômetros rodando pelo salar. A espantosa brancura de todo o entorno nunca foi tediosa.
O salar é inteiramente formado por hexágonos – supõe-se que tal se dá por conta da oxigenação subterrânea; acho que é isso. É impressionante a formação.
O salar é bem plano. Nosso motorista, a cem por hora, soltava as mãos do volante e dizia: “chofeur automático!”
Agora em janeiro, chove. E o salar fica mais encantador ainda. É que se forma uma espécie de espelho d’água, com cerca de cinco centímetros de profundidade, na superfície do salar. Um espelho que, como todo espelho, reflete tudo o que está na superfície. A paisagem – inclusive os observadores – fica inteiramente duplicada. O céu verdadeiramente se reproduz na terra.
Pois foi neste cenário de sonho que vimos o nascer do sol – saímos do hotel por volta de cinco da manhã justamente para isso.
Havia chovido barbaridade na noite anterior. O telhado do hotel de sal, fixado por pedras, tremia por causa do vento. Até nos recomendaram que fechássemos todas as portas, para evitar que o telhado levantasse voo. Fiquei um tanto apreensivo com a possibilidade de a chuva estragar o passeio.
O que eu não sabia é que a chuva, ao invés de estragar, estava construindo o cenário do mais belo nascer do sol que tive oportunidade de presenciar em minha vida. E digo sem medo de errar: nunca mais verei outro nascer do sol como esse da Bolívia.
O sol nasceu para cima e para baixo. Em duplicata. Cada raio refletido no chão branco do salar, revestido pela água da chuva da noite anterior.
Todos ficaram absolutamente sem palavras. E emocionados.
As fotos – que a Ju postará (e já postou no Facebook dela) apenas dão uma idéia de tudo aquilo. É preciso vivenciar esse momento para perceber tamanha beleza. E passar pela Puna...
Depois que amanheceu, dirigimo-nos a uma ilha no centro do salar. A Incahuasi que significa casa do Inca. Uma ilha cheia de cactos centenários (cactos de oito metros de altura – como eles crescem um centímetro por ano, cada metro equivale a cem anos de vida). Um verdadeiro mirante natural do salar.
Dali, seguimos para uma vila já fora do perímetro do salar. Vimos o processamento do sal para comercialização. Atividade familiar, mas com utilização lamentável de trabalho infantil. Duas menininhas, de poucos anos de idade, providenciavam o enchimento e o fechamento dos saquinhos de sal. As mãozinhas estavam todas marcadas. Foi de cortar o coração.
Isso é a Bolívia. Indescritível beleza natural e um povo miserável de dar dó.
Miserável, mas orgulhoso. Sobre isso escrevo posteriormente.
Bom, almoçamos no local e compramos artesanias. Dali, seguimos para a cidade de Uyuni, onde fizemos a baldeação. Nossos guias terminavam ali o trabalho e outros nos levariam de volta até a fronteira entre a Bolívia e o Chile e de lá retornariam com outros turistas, pelo mesmo circuito.
Uyuni é bonitinha e bem organizada, para os padrões bolivianos. Tem um centrinho arrumado, com diversos bares, restaurantes e hospedarias. Tomamos um lanche na praça, vendo o movimento de pés-sujos e cholas.
Nas vizinhanças, há um cemitério de trens – trens antigos, do começo do século vinte, que foram abandonados no local aos montes. Parece que, como os elefantes no fim da vida, aqueles monstrengos deformados se dirigiram até o local para morrerem, envergonhados, longe dos olhos dos seus usuários.
Compondo o cenário com um toque macabro, há sacos plásticos cheios de lixo, espalhados por todo o local. Segundo os guias, o vento leva o lixo e não há nada que se possa fazer porque, ao que parece, não há coleta – ou há, mas o lixo é despejado em algum local a céu aberto e aí o vento espalha tudo e ninguém se importa...
Por volta das seis da tarde, saímos. O nosso motorista, bem novinho, disse que gostava muito de limpeza. Comprovava isso o improvável tênis imaculadamente branco que calçava.
Rodamos por muitas horas por estradas de cascalho – as principais – e por verdadeiras trilhas de areia e pedras, com riachos pelo meio. Tivemos até que parar para os guias retirarem cerca de um quilo de terra acumulada nos filtros de gasolina e de ar da Toyota que nos levava. Enquanto esperava na noite fria – cerca de cinco graus –, aproveitei para olhar o céu coalhado de estrelas, sem a interferência de nenhuma luz, porque luz não há nas redondezas.
Por volta de dez horas, chegamos ao ponto de pouso, situado numa vilinha chamada Vilamar (porque, não sei, uma vez que o mar está do outro lado da cordilheira). Para eles hotel. Para nós um alojamento, com seis camas no mesmo quarto e com um piso rangedor. O banheiro, aquela lástima. Não deu para tomar banho.
Janta – boa – e cama, por algumas horas, porque partimos novamente de madrugada, de volta para o Chile.
No retorno, houve parada para “baño” (uso do banheiro), no local onde há a piscina de água termal.
Precisei ir ao banheiro. Como escrevi no post anterior, aquele outro banheiro que a descarga era na base do garrafão de cinco litros, não foi o pior. Isso porque nos esperava este da parada. Não vou descrevê-lo. A Ju postará uma foto quase escatológica das explicações desenhadas para os usuários.
O resto não tem muito interesse. Fronteira, guardas pedindo quinze pesos bolivianos para deixarmos o país – parece que há uma taxa, mas depois do responsável pela agência conversar com os guardas, nada nos foi cobrado. O Otávio já tinha feito o pagamento e, ao que parece, foi reembolsado. A coisa não ficou muito clara para mim.
Chegamos ao Chile, por volta do meio-dia. Mais uma hora de alfândega, outra para pegarmos as motos e abastecê-las (chegar ao posto foi um verdadeiro martírio: ao hotel, foi outro).
Acabamos nem saindo. O Zé teve mais coragem e foi ao Vale da Lua. A Amanda e o Pedro, meus sobrinhos, viram ainda uma apresentação astronômica, com observação de estrelas por meio de cerca de dez telescópios de diferentes potências. O Chico Cortez, meu amigo, recomendou tais passeios. Como ele nunca indica “furada”, devem ser ótimos. Fica para a próxima vez – com a Analulu, minha pequena.
Nessa noite, aperitivamos uns vinhos chilenos brancos e ganhamos, ainda, uma bebida de cortesia da simpática gerente do hotel: um pisco sauer. Foi um descanso agradável e necessário, porque o trecho do dia seguinte prometia ser bravo: tocada de seiscentos km até Salta, com direito a dois procedimentos alfandegários e variação extrema de altitude e temperatura.
Que eu conto no próximo post. Já de Salta. Só digo que sobrevivemos e que a viagem foi mais tranqüila e mais bela do que o esperado.
Abraços e beijos a vocês quatro que ainda têm paciência para ler.
Toni.
Os tradicionais P.S.s:
Um: só não respondi diretamente a cada um que deixou msgs, porque não consegui sequer ver como está o blog.
Dois: Nery, meu capitão. A Ju me contou que você está gostando das descrições e que espera que eu as faça na Route 66. Fico muito honrado e já me sinto escalado.
Três: não sabia que o cacto fornece uma madeira meio furada que é usada na fabricação de móveis, portas e vigamento. Muito interessante. Quanta coisa a gente não sabe...

Post da Ju






Queridos amigos! O que me resta é escrever algumas poucas palavras de meu amigo inseparável iPhone, pois concorrer com a diposição de AM e Otávio para escrever no blog é impossível... Então o que me resta dizer do que já foi e muito bem dito pelos dois?
Sim, fui eu quem inventou essa história de Salar Uyuni. Vi as fotos do cemitério de trens um tempo atrás no orkut de uma amiga de uma amiga e junto as famosas fotos engraçadinhas que todos fazem no salar. Fiquei apaixonada pelo lugar e absolutamente encanada em ir. Nao sabia nem onde era muito menos do que envolvia. Na primeira viagem de moto, ao Ushuaia, perguntei para o Otavio se nao dava para ir, ai Ele me disse que era para a viagem do Atacama mais razoável e não para a viagem do Ushuaia!!! Para vcs terem noçao do tanto que eu estava a par do mapa!!! Rsrsrs!
Conforme o tempo passou, eu fui cada vez mais esbarrando com o salar. O Fe Milane foi de mochila, meu primo GUI também... E eu com o dito cujo na cabeça! Qdo começamos a ver a viagem para o Atacama, senti que era minha chance! De novo, pelo que vimos era inviável para nossas motos essa aventura... Estradas no meio do deserto, marcação deficiênte ou ausênte, colocar as motos na Bolívia, combustível e por ai ia... Otavio até me consolou dizendo que veriamos um salarzinho perto de São Pedro de Atacama... mas nao seria MEU UYUNI!!!!
Sei la como, nem consigo me lembrar onde, talvez conversando com o Felipe, descobri que existiam excursões de 4 dias justamente saindo de San Pedro! Era agora ou nunca! Quando eu ia desenrolar uma viagem onde eu conseguisse encaixar a Bolivia de novo!?
Fuça que fuça, achei a Atacama Mística, que depois de vários desencontros de emails (que depois descobri bem porque ocorreram- povadeira (poeira) pára os pcs que são enviados constantemente para a limpeza) consegui montar e agendar a viagem.
Não vou nem perder tempo em descrever tudo de novo o que vcs ja leram aqui. Só vou falar que a dor de cabeça que eu tive foi do tipo Matrix - o Neo tava dentro da minha cabeça que a qualquer momento seria partida ao meio com direito a uma luz brilhante de dentro para fora (vide cena do filme). Em certo momentos temi que AM fosse pedir o divórcio. E que o Otavio fosse sair gritando virado do avesso pelado tossindo correndo no deserto, isso tudo claro, após me matar. Mas sobrevivemos. Todos. Sobrevivemos para contemplar o espetáculo mais fabuloso que tive o prazer de ver: o nascer do sol refletido no salar. Salar que estava molhado pelas chuvas do dia anterior! Que segundo ouvimos estava seco antes... Quanta sorte. E ao descer no salar, com o sol começando a aparecer do meu lado direito, eu não sabia mais para onde eu olhava. A imensidão branca que nos cercava, o sol surgindo ou quando me deparei com a parte molhada e vi que os jeeps parados a nossa frente, não eram mais dois, mas sim quatro, por que refletidos como espelhos, formavam uma imagem que jamais eu irei esquecer. O sol, as montanhas, as pessoas, que como crianças brincavam com suas imagens refletidas, tudo, tudo isso me fez chorar. E só então entendi porque tive que buscar meu Salar...
Juliana.
enviado do meu iphone
Quando entramos

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

BOLÍVIA

Nove de janeiro de 2011. Do Chile para a Bolívia. Do que é quase um país de primeiro mundo para o terceiro mundo em toda a sua expressão.
Estávamos muito cansados da viagem do dia anterior. E tivemos que sair logo cedo do hotel. Preparar tudo, tomar café, levar as motos e a camionete para o estacionamento da agência de turismo. Tudo para estarmos às oito e meia novamente na alfândega. Pé no saco de chuteira com cravos altos. Mas fazer o quê. Como dizia o filósofo Vicente Matheus, “quem sai na chuva é para se queimar”.
Para encurtar, fizemos a alfândega e subimos de volta aquela descida – agora subida – da chegada de San Pedro. Depois de cinqüenta km, mais ou menos, perto dos vulcões – vide o post anterior – há uma saída para a Bolívia (que eu não tinha visto). Ali pegamos uma estrada de terra e fomos até a fronteira do Chile com a Bolívia.
Feitos os trâmites, pegamos as Toyotas que nos esperavam para o passeio contratado: um tour de três noites e quatro dias por aquilo que a Bolívia tem de mais maravilhoso: as belezas do altiplano. Aventura pura. Gostaria muito de fazer de moto, mas sei das minhas enormes limitações como piloto. Simplesmente não dá.
Foi o passeio mais maravilhoso e mais desgastante da minha vida.
Conversamos a respeito e concluímos: para indicar o passeio para algum amigo é necessário muito cuidado. É preciso explicar bem o que se passará – e quase que faltamente passará.
O Edgardo – o contato da agência Atacama Mística com o qual a Ju contratou o passeio – explicou tudo. Se fosse no Brasil, ele teria agido em total conformidade com o Código de Defesa do Consumidor. No briefing que tivemos na véspera do embarque ele explicitamente falou que o passeio seria um dos mais radicais e que todos ficariam muito cansados. Também falou da altitude e dos problemas que poderiam decorrer dela. Explicou especificamente que o mal da altitude – a Puna – não escolhia sexo, idade, forma física etc. Dava em uns – com maior ou menor intensidade – e não em outros. E que devíamos nos preparar – o que significava não beber, nem comer carne vermelha ou leite, dentre outras restrições. Mas não adiantou, como se verá mais a frente.
O passeio começou com uma série de lagunas, no meio das montanhas, com o deserto de pedra ao redor. Lagunas coloridas, cheias de flamingos e bórax (elemento químico esbranquiçado, usado para a fabricação de vidros, se eu não me engano). Na sequência, uma piscina natural de águas calientes – 45° segundo os guias; eu achei que estava mais para uns trinta e oito –, mais montanhas, altitude, vulcões, formações rochosas, neve (é, chegou até a nevar!). Tudo em trilhas ora de areia, ora cheias de rochas que eram contornadas habilidosamente pelos motoristas – chofeurs aqui, vai saber porquê – dos jipões. Tudo a mais de quatro mil e quinhentos metros de altitude. O ponto culminante foi cinco mil e cem metros!
Depois de um dia inteiro de passeios por paisagens literalmente alucionantes – eu nem me lembro mais de tudo o que vimos no primeiro dia –, paramos no hotel. Hotel, não, alojamento. Quartos com camas coletivas – cinco para umas trinta pessoas de todo lugar do mundo – e com duas privadas e um chuveiro frio para todos.
Aí a Puna pegou. Pegou eu e o Otávio, que já estava meio adoentado, apanhando de uma gripe com tosse que não largou do pé dele nem um minuto.
A Puna é o mal da altitude. Eu tive uma dor de cabeça que fazia décadas que não sentia.
Na adolescência, costumava ter umas enxaquecas que vinham do nada e quase me arrebentavam a cabeça. A dor de cabeça da Puna foi pior. Queria morrer.
Tomei um chá feito pelo senhor responsável pelo alojamento. Também mandei para dentro duas nelsaldinas. Passadas algumas horas a coisa melhorou, mas eu fiquei deitado quietinho bem umas quatro horas. O Otávio não. Ele deitou e só levantou na manhã seguinte.
Por causa da dor de cabeça alucinante, não fui ver a Laguna Colorada – em cores vermelhas e que tem a maior concentração de flamingos da região. Milhares deles ficam ali ciscando. Tudo rodeado das enormes montanhas dos Andes. Quem viu de perto, amou. Eu acabei vendo de passagem, no dia seguinte e achei mesmo fantástico.
No segundo dia, saímos logo cedo. Mais ou menos sete e meia da manhã. Temperatura bem amena: uns oito ou dez graus. Amena? Explico: de noite, a temperatura cai para menos quinze. É isso mesmo: menos quinze graus abaixo de zero. No alojamento, ela é de uns dez graus, mas os cobertores eram bem quentinhos e a cama, juro, foi a melhor da viagem. Dormi bem umas catorze horas – contando as da recuperação da Puna.
Passamos por desertos de todos os tipos: de pedras, areia, com e sem vegetação. Paramos em diversos locais e um dos mais interessantes era o das formações rochosas. Há uma árvore de pedra de uns sete metros de altura. Tudo surreal.
O segundo alojamento foi um hotel de sal, já beirando o Salar. De sal porque todo feito de tijolos de sal. As camas, as mesas, as paredes, o chão, tudo de sal. E tinha banho quente, ao custo de dez bolivianos, ou mil pesos chilenos. Ou um dólar e meio, mais ou menos. Fica uma menina chola na porta controlando o tempo que é de cinco minutos.
Interessante é a descarga. Há uma caixa de água na porta dos dois banheiros e umas garrafas de cinco litros de água. Quem usa, enche a garrafa e joga no vaso. Essa é a descarga. Mas não foi a pior. Longe disso. Abaixo há mais.
O terceiro dia foi o do passeio no Salar de Uyumi. Que eu conto com mais vagar no próximo post. Fotos com a Ju. Agora vou dormir, porque amanhã cedinho é nova estrada.
Abraço a todos.
P.S. Alexandre: essa é a dica. Faça o passeio, mas acompanhado de um guia, senão a barra pesa.
Abreijos. Toni.

SÉTIMO TRECHO - PURMAMARCA - SAN PEDRO DE ATACAMA







Oito de janeiro de 2011. Atrasado, evidentemente, porque hoje já é 12 de janeiro de 2011. Depois de Argentina total, agora é Chile pra valer!
O sétimo trecho era para ser tranqüilo. Um passeio. Foi um passeio lindo, maravilhoso. Mas não foi tranqüilo. Foi exaustivo.
Saímos de Purmamarca às 9:10h. Temperatura 19° Celsius à sombra. Temperatura agradável, mas vai esfriar, mais à frente.
Logo pegamos a estrada. Começou a subida. Subida espetacular! No meio dos Andes. Cheia de montanhas, uma mais linda do que a outra. Aliás, em Purmamarca, há uma montanha toda colorida que ficava bem atrás do nosso hotel. O Cierro de Sete Colores. Pela manhã, com o sol batendo, apareceram todas as sete cores e mais algumas. Tons de verde, vermelho, amarelo. Realmente muito bonito.
Na subida, foi esfriando. A temperatura baixou para 13° Celsius na primeira parada: o marco de 4.170 metros acima do nível do mar. Paramos para as fotos de registro e para esticar as pernas. 34 km rodados. Dez da manhã. Ou seja, cinqüenta minutos para só um pouquinho de estrada.
É que a estrada tinha muuuiiiiitaaaas curvas em aclive. Curvas para todos os lados. Curvas que se faz em primeira marcha. Curvas para subir de 3000 para mais de 4000 metros. Curvas do tipo da estrada do Paso do Cristo Redentor, entre Santiago e Mendoza.
Votamos. Ganhou o Cristo em número de curvas, mas eu acho que por pouco, porque as daqui eram muitas mesmo.
Continuamos. As curvas diminuíram. As montanhas não. E o deserto começou a dar as caras. Muito pedregoso e com uma vegetação típica rasteira. Uns tufos verdes.
Como a Ju observou, não dá para imaginar que o deserto é um lugar tão rico de paisagens. Chega a ser emocionante. Perdemos o fôlego duas vezes. Pela altitude e pela beleza do entorno.
A segunda parada foi em um salar, depois de 66 km rodados. Onze e trinta da manhã. A temperatura subiu para 17° Celsius.
Eu nada sabia sobre salares até uns três anos atrás. Foi a Ju que me falou a respeito, ao comentar sobre o Salar de Uyuni. Não imaginava que havia desertos de sal nos Andes – justamente o que são os salares.
Tudo aqui, há milhares de anos, foi oceano. Depois, os Andes subiram e represaram a água do mar que acabou por secar. Secou a água, mas não o sal.
Isso são os salares. Enormes áreas cobertas de sal. Brancura para todo lado. Impressionante.
Bom, neste salarzinho do caminho entre a Argentina e o Chile a gente já babou. Mas não era nada perto de Uyuni. Sobre o qual, depois eu conto.
Fizemos fotos, evidentemente. A Ju depois faz a postagem. Ou não. Ela está cuidando das imagens. E como são tantas, vai depender da boa escolha dela. E da lerdeza/esperteza da Internet local.
Prossigo.
A terceira parada foi em Susques, uma cidadezinha no alto da montanha – 3.700 mts. –, depois de 135 km rodados, às 11:50hs. Temperatura: 21° Celsius. Ainda Argentina.
Na nova subida da montanha, mais lindas paisagens dos Andes. Difícil até de explicar. E apareceram as primeiras lhamas na pista.
Paramos em um hotel/restaurante. Já com medo da altitude pegar. E não pegou. Mas, mais para frente, ela vai pegar...
Almuerzo, com direito à conversa com os responsáveis pelo hotel – um argentino e uma uruguaia – Maria, que falava perfeitamente o português. Eles passaram a cuidar do hotel faz uns três meses. Antes moravam... em São Paulo! Eita mundo globalizado!
Saída às 13:10hs. E a próxima parada foi no Paso de Jama – nome da fronteira argentina. Duzentos e quarenta e sete km rodados desde Purmamarca.
A aduana é sempre um saco. E a aduana argentina não é exceção. Ao contrário, é afirmação da regra. Gastamos mais ou menos uma hora para preenchermos um monte de formulários, pegarmos outro monte de carimbos, papéis, devolvermos papéis para o mesmo guardinha com cara de otoridade que nos entregou a papelada.
É sempre importante o cuidado com a papelada. Qualquer papel não preenchido, qualquer carimbo errado, pode atrapalhar muito a viagem. Então, preste atenção, que vale a pena!
Na alfândega, um monte de gente. Altitude local de mais de quatro mil metros. Uma garota desmaiou, justamente por causa da altitude. Eu me senti um pouco cansado, um pouco estranho. A Amanda – minha sobrinha – reclamou de dor de cabeça. Nada muito forte. A gente se sente esquisito. Não dá para explicar. Mas mais para frente vai dar...
Tudo resolvido, retornamos à estrada. Já no Chile. O entorno foi ficando cada vez com mais cara de deserto. E começou a esfriar.
Saímos da aduana às 15:20hs. Quinta parada. Na estrada mesmo, para vestirmos os forros, porque esfriou para valer.
Estava novamente 13° Celsius no mostrador da moto. E ventava muito. A sensação térmica era abaixo dos oito graus. Muito frio, como disseram uns motociclistas brasileiros que encontramos no posto próximo à aduana.
Abro parêntesis. Há um posto de gasolina vizinho à aduana. Dava para abastecer sem qualquer dificuldade, o que não fizemos porque trouxemos vinte litros de gasolina num galão que veio na camionete do Zé, meu irmão.
Já havia lido a respeito do tal posto que, ao que consta, é de recente construção. Parece que normalmente há combustível lá sem grandes filas. É importante saber disso, porque dependendo da autonomia da moto, o abastecimento na fronteira é absolutamente necessário. Como já escrevi em post anterior, na região de Purmamarca, no período de férias, campeia o desabastecimento. Ficamos em Tilcara mais de uma hora na fila para encher os tanques das motos. Motos com autonomia menor podem ter dificuldades sérias.
Ainda dentro do parêntesis, no Chile não se pode transportar combustível. Mas como a aduana chilena é só lá embaixo – em San Pedro de Atacama, cento e sessenta km de distância da aduana argentina –, caso haja necessidade, o motociclista pode levar mais alguns litros de reserva em galões (alguns levam até em garrafas de Coca-cola...) e reencher o tanque, antes de passar pelos procedimentos aduaneiros. Antes, senão a gasolina e o galão são apreendidos.
Voltando à Ruta, depois de cruzarmos muito deserto com montanhas lindas e coloridas – uma diferente da outra – na altitude, começamos a descer para San Pedro de Atacama. Descida intermitente, mais para reta do que para curva, de quarenta quilômetros! Baixamos de mais de quatro mil para três mil e quatrocentos, que é a altitude aproximada de San Pedro.
Nova aduana. Não se esqueçam. Depois da descidona, a gente chega em San Pedro e – acho – pode entrar direto na cidade, sem passar pelo controle de fronteira. Mas quem fizer isso vai ter um monte de problemas – para reentrar na Argentina, por exemplo.
A aduana de San Pedro fica logo à direita, no final do retão em declive pelo qual viemos.
Foi menos problemático do que parecia. Controle de fronteira e de bagagem. Coisa de meia hora.
Dica importantíssima: há um controle muito severo no Chile – em qualquer lugar – sobre a entrada de alimentos in natura. Não é possível trazer para o Chile uma simples maçã. Se você esquecer a maçã que comprou no posto na Argentina dentro da mochila e o controle sanitário pegar – e ele vai pegar –, prepare-se para pagar uma multa pesada! Então, não se esqueça: nada de frutas ou de qualquer outra coisa de comer que não seja industrializada.
Em San Pedro, a temperatura aumentou para 31° Celsius. É complicado lidar com variação de temperatura desse porte: de 13 para 31. Então, vindo de moto, esteja preparado.
San Pedro é uma titica de tamanho – 4.500 habitantes; mais uns mil e quinhentos turistas –, mas é super complicado andar na cidade, porque as ruas não batem. Se você errar uma, vai dar uma volta imensa. E outra coisa, o posto de gasolina – estacion de abastecimiento – é bem difícil de chegar. Pergunte bem. Ah! O posto aceita cartão de crédito, o que não está acontecendo, em geral, na Argentina.
Por causa dessa dificuldade, rodamos um bocado até encontrarmos o hotel. Acabamos por localizá-lo às sete da noite – noite é modo de dizer, porque o sol ainda estava firme no céu e caliente na terra. A temperatura, forte, era de 31° Celsius.
Rodamos um total de 413 km. Achei que seria um passeio, mas como escrevi acima não foi. Foi muito desgastante, pelos trâmites aduaneiros, pela diferença de temperatura, pela altitude e pela paisagem que faz parar mais do que era aceitável. Assim, quando vier para cá, principalmente saindo de mais longe (Salta, Jujuy) tenha em conta essas variáveis para programar a sua viagem. Não deve ser nada agradável passar pelo topo da cordilheira já pela noite, quando a temperatura cai muito.
Sobre a temperatura, se de dia em San Pedro ela gira pela casa dos trinta, à noite baixa para uns treze. É a velha história de que o deserto é quente de dia e frio à noite. Mas nada assustador.
Isso no verão, porque o inverno é bravo à noite por aqui. À noite baixa para menos sete. De dia é ameno: vinte graus, mesmo no inverno.
A eletricidade em San Pedro varia muito. Como aqui é deserto e tudo é limitado – inclusive a eletricidade – e à noite todos ligam as luzes, pode haver muita variação. Como está acontecendo exatamente agora no hotel. A internet se foi e a luz está “flaquejando”. Um pisca-pisca.
A cidade em si parece um reduto “hippie” no Século Vinte e Um. Muitos mochileiros – quase todos de havaianas e apelidados, por nós, de pés-sujos – e um monte de barzinhos e restaurantes com cara de Vila Madalena. Mas é bonitinho. Tem uma rua “peatonal” que concentra os bares, restaurantes e tiendas de artesanias e produtos de prata e cobre. Na paralela, há uma bela praça. E em todos os lados, há agências de turismo, vendendo passeios locais e para a Bolívia.
Aqui é mais caro do que na Argentina. Mas não muito mais.
Jantamos em um bom restaurante (“Delícias de Carmen”) que aceitava dólares, por uma boa taxa de câmbio. Comemos bem – comida bem feita e atendimento simpático – e tudo ficou, mais ou menos, dez dólares por pessoa. Dezoito reais. Nada mal para um jantar em uma cidade turística que todos dizem que é cara.
Acabou de acabar a energia elétrica. Estou usando a bateria do computador. Todos os insetos da região – uns micropernilongos – foram atraídos pela luz da tela.
A luz sempre acaba aqui. E a água também. Problemas de se ter uma cidade no meio do deserto. Cidade de nove mil anos, mais ou menos. Como disse o Otávio, com todo esse tempo e não aprendeu ainda a lidar com os problemas básicos. Crítica devida ao cansaço.
Ah! O hotel! Os hotéis razoáveis aqui são caros. Cerca de duzentos dólares. Há hostais, mais baratos, mas sem as mínimas condições. Principalmente, porque sofrem com a falta de água, problema do qual o nosso hotel não padece.
Fomos muito bem atendidos. O quarto básico é razoável – o nosso estava meio caído, mas o do Otávio e da Inha pareceu mais bem cuidado e muito mais charmoso –, mas o superior – no qual ficamos no segundo dia – é show de bola. Tem até varanda com vista para os dois vulcões que vigiam permanentemente a cidade. O Licancabur e o vizinho Juriques que tem o topo cortado – a palavra em língua indígena (não sei qual; perdão pela ignorância) significa exatamente isso: com a cabeça cortada.
O hotel se chama Tulor. O endereço é Rua Domingo Atienza 523. Telefones 56 55 851027 e 851063. Tem tudo na Internet, por onde fizemos a reserva. Indicação preciosa – mais uma – do Alexandre, nosso anjo da guarda. Salve, meu chapa, pelas dicas sempre excelentes. No próximo post, ousarei dar uma dica para você.
Ainda bem cansados, saímos no dia seguinte, oito da manhã, em uma excursão para a Bolívia por três noites, passando pelo Salar de Uyuni. A parte hard da viagem. Que eu conto no próximo post. Atenção, nossos três ou quatro acompanhantes: não percam!
Como já dito/escrito acima, fotos com a Ju, assim que eu liberar o computador para ela. Na sequência, vou escrever a aventura na Bolívia.
Finalizo com mensagens.
A primeira é para o Alexandre: realmente, os Andes nesta região são muito mais desbundantes e emocionantes do que na Patagônia ou na região de Mendoza. Você tem toda razão.
Outro recado. Nery, meu capitão: você tem que vir para cá! Quem sabe depois da Route 66, programamos algo!
Abraço a todos. Agora, vou começar a escrever o outro post. Sobre a Bolívia. Barra pesada, mas maravilhoso. Dica para quem quiser se arriscar. Como nós.
Abreijos. Toni.