sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

BOLÍVIA - CONTINUACION






Janeiro de 2011. Ainda na Bolívia. Não sei a data, porque perdi a noção do tempo totalmente.
Como já escrevi no post anterior, o terceiro dia na Bolívia foi o do passeio no Salar de Uyuni.
O Salar de Uyuni é um depósito de sal – um deserto de sal – situado no Altiplano Boliviano a cerca de quatro mil e cem metros de altitude, de 12.000 km2 (isso mesmo, doze mil quilômetros quadrados) de área. Nas bordas (“orillas”, como os bolivianos denominam), a profundidade da camada de sal é de quatro metros. Na parte mais central, a camada de sal tem cerca de cem metros de profundidade – já houve prospecção que encontrou a camada a duzentos metros abaixo da superfície.
Não há qualquer vida no salar, a não ser a dos bolivianos que trabalham nele e dos turistas que o visitam – em número cada vez maior, a cada ano.
O Salar de Uyuni é o maior do mundo. Supõe-se que seja também a maior reserva de lítio do mundo – o petróleo do futuro, uma vez que as baterias são feitas do referido mineral.
Enquanto a Bolívia não consegue processar comercialmente o lítio encontrado no salar, a exploração econômica da riqueza é limitada à produção de sal de cozinha, à fabricação de blocos para construção e ao turismo.
É aqui que nós entramos. No turismo. O passeio no salar é uma das coisas mais belas que já fiz em minha vida – não obstante todo o sacrifício da viagem, desde San Pedro de Atacama. É simplesmente inacreditável a beleza do local. Foram cerca de cem quilômetros rodando pelo salar. A espantosa brancura de todo o entorno nunca foi tediosa.
O salar é inteiramente formado por hexágonos – supõe-se que tal se dá por conta da oxigenação subterrânea; acho que é isso. É impressionante a formação.
O salar é bem plano. Nosso motorista, a cem por hora, soltava as mãos do volante e dizia: “chofeur automático!”
Agora em janeiro, chove. E o salar fica mais encantador ainda. É que se forma uma espécie de espelho d’água, com cerca de cinco centímetros de profundidade, na superfície do salar. Um espelho que, como todo espelho, reflete tudo o que está na superfície. A paisagem – inclusive os observadores – fica inteiramente duplicada. O céu verdadeiramente se reproduz na terra.
Pois foi neste cenário de sonho que vimos o nascer do sol – saímos do hotel por volta de cinco da manhã justamente para isso.
Havia chovido barbaridade na noite anterior. O telhado do hotel de sal, fixado por pedras, tremia por causa do vento. Até nos recomendaram que fechássemos todas as portas, para evitar que o telhado levantasse voo. Fiquei um tanto apreensivo com a possibilidade de a chuva estragar o passeio.
O que eu não sabia é que a chuva, ao invés de estragar, estava construindo o cenário do mais belo nascer do sol que tive oportunidade de presenciar em minha vida. E digo sem medo de errar: nunca mais verei outro nascer do sol como esse da Bolívia.
O sol nasceu para cima e para baixo. Em duplicata. Cada raio refletido no chão branco do salar, revestido pela água da chuva da noite anterior.
Todos ficaram absolutamente sem palavras. E emocionados.
As fotos – que a Ju postará (e já postou no Facebook dela) apenas dão uma idéia de tudo aquilo. É preciso vivenciar esse momento para perceber tamanha beleza. E passar pela Puna...
Depois que amanheceu, dirigimo-nos a uma ilha no centro do salar. A Incahuasi que significa casa do Inca. Uma ilha cheia de cactos centenários (cactos de oito metros de altura – como eles crescem um centímetro por ano, cada metro equivale a cem anos de vida). Um verdadeiro mirante natural do salar.
Dali, seguimos para uma vila já fora do perímetro do salar. Vimos o processamento do sal para comercialização. Atividade familiar, mas com utilização lamentável de trabalho infantil. Duas menininhas, de poucos anos de idade, providenciavam o enchimento e o fechamento dos saquinhos de sal. As mãozinhas estavam todas marcadas. Foi de cortar o coração.
Isso é a Bolívia. Indescritível beleza natural e um povo miserável de dar dó.
Miserável, mas orgulhoso. Sobre isso escrevo posteriormente.
Bom, almoçamos no local e compramos artesanias. Dali, seguimos para a cidade de Uyuni, onde fizemos a baldeação. Nossos guias terminavam ali o trabalho e outros nos levariam de volta até a fronteira entre a Bolívia e o Chile e de lá retornariam com outros turistas, pelo mesmo circuito.
Uyuni é bonitinha e bem organizada, para os padrões bolivianos. Tem um centrinho arrumado, com diversos bares, restaurantes e hospedarias. Tomamos um lanche na praça, vendo o movimento de pés-sujos e cholas.
Nas vizinhanças, há um cemitério de trens – trens antigos, do começo do século vinte, que foram abandonados no local aos montes. Parece que, como os elefantes no fim da vida, aqueles monstrengos deformados se dirigiram até o local para morrerem, envergonhados, longe dos olhos dos seus usuários.
Compondo o cenário com um toque macabro, há sacos plásticos cheios de lixo, espalhados por todo o local. Segundo os guias, o vento leva o lixo e não há nada que se possa fazer porque, ao que parece, não há coleta – ou há, mas o lixo é despejado em algum local a céu aberto e aí o vento espalha tudo e ninguém se importa...
Por volta das seis da tarde, saímos. O nosso motorista, bem novinho, disse que gostava muito de limpeza. Comprovava isso o improvável tênis imaculadamente branco que calçava.
Rodamos por muitas horas por estradas de cascalho – as principais – e por verdadeiras trilhas de areia e pedras, com riachos pelo meio. Tivemos até que parar para os guias retirarem cerca de um quilo de terra acumulada nos filtros de gasolina e de ar da Toyota que nos levava. Enquanto esperava na noite fria – cerca de cinco graus –, aproveitei para olhar o céu coalhado de estrelas, sem a interferência de nenhuma luz, porque luz não há nas redondezas.
Por volta de dez horas, chegamos ao ponto de pouso, situado numa vilinha chamada Vilamar (porque, não sei, uma vez que o mar está do outro lado da cordilheira). Para eles hotel. Para nós um alojamento, com seis camas no mesmo quarto e com um piso rangedor. O banheiro, aquela lástima. Não deu para tomar banho.
Janta – boa – e cama, por algumas horas, porque partimos novamente de madrugada, de volta para o Chile.
No retorno, houve parada para “baño” (uso do banheiro), no local onde há a piscina de água termal.
Precisei ir ao banheiro. Como escrevi no post anterior, aquele outro banheiro que a descarga era na base do garrafão de cinco litros, não foi o pior. Isso porque nos esperava este da parada. Não vou descrevê-lo. A Ju postará uma foto quase escatológica das explicações desenhadas para os usuários.
O resto não tem muito interesse. Fronteira, guardas pedindo quinze pesos bolivianos para deixarmos o país – parece que há uma taxa, mas depois do responsável pela agência conversar com os guardas, nada nos foi cobrado. O Otávio já tinha feito o pagamento e, ao que parece, foi reembolsado. A coisa não ficou muito clara para mim.
Chegamos ao Chile, por volta do meio-dia. Mais uma hora de alfândega, outra para pegarmos as motos e abastecê-las (chegar ao posto foi um verdadeiro martírio: ao hotel, foi outro).
Acabamos nem saindo. O Zé teve mais coragem e foi ao Vale da Lua. A Amanda e o Pedro, meus sobrinhos, viram ainda uma apresentação astronômica, com observação de estrelas por meio de cerca de dez telescópios de diferentes potências. O Chico Cortez, meu amigo, recomendou tais passeios. Como ele nunca indica “furada”, devem ser ótimos. Fica para a próxima vez – com a Analulu, minha pequena.
Nessa noite, aperitivamos uns vinhos chilenos brancos e ganhamos, ainda, uma bebida de cortesia da simpática gerente do hotel: um pisco sauer. Foi um descanso agradável e necessário, porque o trecho do dia seguinte prometia ser bravo: tocada de seiscentos km até Salta, com direito a dois procedimentos alfandegários e variação extrema de altitude e temperatura.
Que eu conto no próximo post. Já de Salta. Só digo que sobrevivemos e que a viagem foi mais tranqüila e mais bela do que o esperado.
Abraços e beijos a vocês quatro que ainda têm paciência para ler.
Toni.
Os tradicionais P.S.s:
Um: só não respondi diretamente a cada um que deixou msgs, porque não consegui sequer ver como está o blog.
Dois: Nery, meu capitão. A Ju me contou que você está gostando das descrições e que espera que eu as faça na Route 66. Fico muito honrado e já me sinto escalado.
Três: não sabia que o cacto fornece uma madeira meio furada que é usada na fabricação de móveis, portas e vigamento. Muito interessante. Quanta coisa a gente não sabe...

2 comentários:

  1. Pessoal, estou em Puerto Madryn, e hoje consegui ler alguns posts de vcs. Que viagem esta para Uyuni, hem! Quero fazer ano que vem, ou melhor, este ano, se der, e a mulher deixar, mas indo pela Bolívia. Parabéns pra vcs, pela superação dos desafios, e por gostarem tanto, mesmo sofrendo. Achei que o Otávio não iria gostar, pois não gostou de Tilcara... Mas é isto mesmo, às vezes o pior nos surpreende, e no final algo mágico acontece, mostrando um lado interessante, que não havíamos notado antes. Aconteceu isto comigo na Carretera Austral, e na Ruta40, depois de tanto rípio, a tensão que eu estava sentindo, se transformou em euforia, e quando chegamos no hotel, foi muito bom. Abraços, e venham com Deus!
    Marcio A. Roberto - Campo Grande/MS
    Obs.: Quando vamos nos conhecer, e fazer uma viagem juntos?

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  2. mãe as aulas começãm no dia 31/01/2011

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