sábado, 15 de janeiro de 2011

OITAVO TRECHO - SAN PEDRO DE ATACAMA - SALTA






















O trecho
Treze de janeiro de 2011. De volta para a Argentina. De San Pedro de Atacama a Salta. Cerca de seiscentos km. Duas alfândegas. Grandes variações de temperatura.
Como o sétimo trecho – a ida para San Pedro –, mesmo mais curto, foi muito desgastante, havia certa apreensão com relação ao cansaço nesta viagem.
Surpreendentemente, a volta foi mais tranqüila que a ida e machucou menos, ainda que rodados duzentos km a mais.
Em verdade, o cansaço não vem só do número de km que se roda, mas de uma série de outros fatores. Por exemplo, fazer alfândega depois de uma viagem cansativa, com temperatura alta, “quebra as pernas” do vivente. Foi o que ocorreu quando chegamos em San Pedro.
Saímos às 8:15h. do hotel. A temperatura era de uns 12° Celsius à sombra. No sol, um poquito más. Chegamos à alfândega cinco minutos depois e pegamos uma fila que tinha umas vinte pessoas, mais ou menos.
Suerte! Ainda não tinham chegado as vans dos diversos passeios na Bolívia, nem o ônibus dos peruanos.
Parece que algumas linhas regulares do Peru para a Argentina passam pelo Chile. O resultado é uma fila imensa de peruanos em San Pedro. Às vezes é possível evitá-los, chegando à alfândega no horário de abertura – ela funciona das oito às vinte e três horas.
Além da fila pequena, nos foi dito – ufa! – que não havia qualquer formulário a ser preenchido. Fizemos a alfândega rapidamente, com atendimento cordial, e fomos à aduana (no mesmo prédio). Aí, a fila era mais comprida. A do lado, no entanto – a da alfândega –, tinha quintuplicado de tamanho. Nesse meio tempo, chegaram dois ônibus de peruanos... Além disso, também chegaram as vans com os turistas da Bolívia.
Na aduana – que se faz para liberação dos veículos –, havia muitos caminhões cegonha esperando autorização para seguirem em frente e houve certa demora. Até que um funcionário da alfândega veio até a fila e nos perguntou se estávamos de salida. Como estávamos, pegou os formulários das motos e da camionete do Zé, acompanhou-nos até o local onde estacionamos os veículos, fez a conferência das placas (só isso na saída – não há qualquer exame de bagagem) e nos liberou.
Depois de colocarmos os forros (porque pela manhã é bem frio na alta montanha), saímos às 9:15h, com agradáveis 19° Celsius. O Zé já tinha começado a subir o aclive de quarenta km do início da Ruta.
Subimos rapidamente e logo estávamos a mais de quatro mil metros de altitude.
E a temperatura baixou. Bastante.
O termômetro da minha moto chegou a marcar 5° Celsius. Três brasileiros – todos de BMW – disseram que os termômetros das motos deles acusaram 3° Celsius de mínima. Vimos riachos congelados e flamingos encolhidos se protegendo do frio.
Esqueci de trocar a luva. Estava com as de couro, que têm uns furinhos para ventilação. Resultado: os meus polegares começaram a congelar. Em todo o trajeto mais frio, mexi muito os polegares e cheguei a dar tapas no peito para aquecer as mãos. Sem o aquecedor de manoplas, estaria literalmente numa “gelada”.
Mesmo com os polegares gelados, não deixei de apreciar a paisagem maravilhosa dos Andes. E a viagem no asfalto perfeito, com movimento de veículos próximo do zero, foi realmente um passeio. Chegamos rapidamente ao Paso de Jama, a alfândega argentina, por volta de 10:40h., com temperatura de 14° Celsius. Cento e sessenta km rodados em uma hora e vinte e cinco minutos. Nada mal.
A alfândega e a aduana foram tão tranqüilas que chegaram a dar tédio. Além dos três brasileiros de moto, não havia mais ninguém, só eu e o Otávio. O Zé ficou para trás, mas apareceu logo e também passou pelos procedimentos rapidamente. Os funcionários argentinos foram extremamente solícitos, pacientes com o nosso irritante portunhol e muito simpáticos. A vistoria de bagagem – mesmo na camionete – foi bem superficial e só pró forma.
Saímos e logo paramos no posto ao lado dos escritórios de fronteira argentinos. Eram 11:30hs. Abastecimento (inclusive do galão que está na camionete, para qualquer eventualidade...) e lanche. Lanche! Foi ótimo porque optei por não comer nada – só um chá – e estava precisando.
Parada de meia-hora. Retomamos a Ruta às 12:00hs.
Tocada tranqüila até Susques, com 271 km rodados desde San Pedro. Chegamos mais ou menos às 13:00hs, com temperatura de 20° Celsius.
Ali no restaurante tive a primeira notícia péssima da viagem: a tragédia do Rio de Janeiro, o que entristeceu a todos.
Até quando vão continuar a ocorrer tais tragédias no Brasil? O que é pior, tragédias evitáveis. Mas não vou escrever disso aqui. Só fica o inevitável registro.
Almoçamos e retomamos a viagem às 14:10hs. Temperatura de 23° Celsius. Já sem os forros, porque a previsão era de que a temperatura não baixaria mais tanto como no Chile.
E não baixou. Mesmo na alta montanha da volta – 4.200 mts., a 33 km de Purmamarca – chegou a tranqüilos 17° Celsius.
Antes da nova montanha, enormes trechos desertos – e de deserto – com retas intermináveis. Como as motos estavam rendendo muito bem, com baixo consumo e sem perda de potência (O Otávio, que é especializado em motores, não soube explicar exatamente o que se passava), resolvi dar uma esticada. A moto atingiu, sem maiores dificuldades, os cento e noventa km por hora. Absolutamente estável, neutra, com o giro do motor dentro da margem de segurança. Tudo isso com garupa e bagagem. Essa moto é mesmo uma estradeira espetacular!
Falando nisso, a subida e descida desse trecho de montanha foi um espetáculo à parte.
Faço uma pergunta: você já não pegou a mesma estrada em sentido inverso e teve a impressão que estava em um lugar completamente diferente? Pois essa foi a sensação nas vizinhanças de Purmamarca. Parecia mesmo outra Ruta, muito mais bonita que a da vinda.
Não me lembro de ter viajado em nenhuma estrada tão espetacular, tão espantosa, com uma natureza tão exuberante, como a do referido trecho. As tais multicores das montanhas e da Quebrada de Humauaca apareceram com tudo. Ora verde, ora vermelha, ora amarela. Ornamentadas de cactos. Ficava até difícil se concentrar na estrada com tanta beleza em volta.
Mas eu me concentrei. Porque se você não se concentrar, fácil, fácil, sofre um acidente nas incontáveis curvas de noventa, cento e vinte e cento e oitenta graus que a estrada tem nas proximidades de Purmamarca.
Fizemos muitas imagens. Paramos, fotografamos e gravamos vídeos do Otávio e da Inha descendo. Eles fizeram o mesmo com relação a nosotros. As imagens serão trocadas oportunamente, com entrega simultânea dos disquetes... Porque eu pago qualquer preço para ter tais registros!!!!
Chegamos em Purmamarca, com 404,5 km rodados, às 16:00hs. A temperatura era de 25° Celsius. Mas ela iria subir mais. Muito mais.
Paramos para esperar o Zé e esticar as pernas. Ele chegou logo e já saímos, às 16:15hs., com destino a Jujuy.
Aí a tocada ficou um pouco mais lenta, porque entre Purmamarca e Jujuy – capital da província do mesmo nome – o trânsito aumentou muito. Ainda descemos montanha, tendo como pano de fundo um vale muito verde. Descemos em fila indiana, porque os pontos de ultrapassagem simplesmente sumiram.
Os controles policiais começaram a aparecer. Entre Purmamarca e Jujuy foram três, mas não nos pararam nenhuma vez. A camionete acabou por ficar para trás, porque as motos são evidentemente mais ágeis nas ultrapassagens agora difíceis. Esperamos o Zé no acostamento, nos arredores de Jujuy. Ele demorou um pouco mais, mas chegou bem. Paramos em um posto – da Petrobrás, mas com outro nome (talvez para não espantar os argentinos...): Refinor.
Quando estava abastecendo, veio até a minha moto uma argentina muito simples e humilde, de nome Adriana. Perguntou de onde vínhamos e ficou encantada ao saber que éramos do Brasil. Entreguei um adesivo do blog para ela que disse que iria escrever. Estou curioso para ver.
Esses contatos com o povo argentino são sempre muito agradáveis. Eles são cordiais, atenciosos, gentis e interessados na viagem.
Saímos do posto em direção a Salta, destino final do trecho. Saída às 17:50hs.
Apesar da distância rodada, estávamos bem. Pouco cansados.
Mas o calor apertou...
A pior coisa que existe em andar de moto é o calor. Trata-se de uma questão de bom senso a utilização das roupas de proteção e elas, por mais dispositivos de refrigeração que tenham, são quentes. Quando o calor aparece, o desgaste aumenta muito e a disposição diminui em proporção inversa.
A temperatura subiu para trinta e cinco graus e meio. Seis da tarde. Variação térmica de mais de trinta graus, desde o início da viagem. Não é mole, não! Nery, meu comandante, temos que ficar de olho nisso, na Route 66!!
Na saída de Jujuy, há um trecho de uns trinta km até a entrada do aeroporto, em pista dupla. Aí tudo bem, porque a gente anda livremente e espanta um pouco o calor. Depois a pista ficou simples. A velocidade diminuiu e o sofrimento aumentou, pela falta de refrigeração.
E foi diminuindo, diminuindo, diminuindo... Até pararmos, atrás de um caminhão, na cidade de General Güemes, onde havia um cruzamento de uma avenida com a pista, sinalizado por semáforo. O semáforo mais lento e preguiçoso que já vi. Demoramos uns dez minutos, com anda e para, para atravessarmos o tal cruzamento.
Um pouco mais de pista simples e, cerca de uns quarenta km de Salta, pegamos novamente pista dupla. Aí, mesmo mais cansados, foi mais tranqüilo.
A chegada em Salta – quinhentos mil habitantes, capital da província de mesmo nome – ocorreu em meio ao tráfego pesado de veículos que uma cidade de tal porte normalmente tem. Mesmo assim, foi tudo bem até a entrada do hotel.
Chegamos às 19:40hs. Temperatura de 30° Celsius. Exatos 582 km rodados – pouco menos dos seiscentos estimados. Aí fomos estacionar as motos e a camionete na garagem do hotel. Garagem minúscula que exigiu a realização de incontáveis manobras e que, pelo cansaço e pelo stress da viagem, acabou por gerar uma discussão compatível com a temperatura ambiente entre eu, o Zé e o Otávio.
Uns argentinos chegaram depois e também ficaram irritados com o estacionamento ridiculamente pequeno do hotel. Um deles passou com o veículo por cima de um saco de lixo. Achou que tinha batido, desceu e muito bravo passou a chutar os sacos, com uma potência de dar inveja ao Messi.
Finalmente, uma hora depois – isso mesmo, uma hora de procedimentos de estacionar, descer bagagem e subir com as coisas – nos instalamos. O hotel – Portal de Salta na Calle Alvarado nº 341 – é bonitinho e confortável (exceção da garagem...). É todo trabalhado em madeira e perto do centro – a parte interessante da cidade. Não sei o preço agora, porque foi o Otávio quem fez a reserva. Acho que não é dos mais caros. Convém verificar na Internet.

Salta, “La Linda”
Instalados, banho tomado, saímos para jantar. Num restaurante muito bom – e há muitos deles por aqui – chamado “O Convento”. Fica a umas três quadras do hotel. O nome se deve à proximidade do convento e da Igreja de San Francisco, um prédio vermelho, de estilo espanhol, muito bonito. Eu adorei; a Ju não. Achou um pouco extravagante.
Sobre o estilo espanhol, este é o da cidade, a segunda mais antiga da Argentina – a primeira, se eu não me engano, é Tucumán; tenho certeza que não é Buenos Aires.
Salta tem mais de quatrocentos anos. Estilo predominante, mas não único, porque há alguns prédios de arquitetura francesa por aqui, também bem bonitos e que fazem uma mescla interessante.
A cidade tem o apelido de “La Linda”. Apelido totalmente justo. Porque a cidade é linda mesmo. Linda e agradável, totalmente arborizada, rodeada de montanhas, cheia de gente na rua, em pleno dia da semana, enchendo as calles, os bares, o comércio e as livrarias.
A Plaza Central é do tipo das espanholas. Nela, está localizada a catedral, um prédio muito bonito, pintado de cor-de-rosa. Em torno da Plaza há museus, hotéis, cafés, bares, restaurantes e um teatro, onde se apresenta a orquestra sinfônica e o balé da cidade.
Plazas na cidade é o que não falta. Uma atrás da outra, em todos os lugares que fomos. E todas cheias de gente. O salteño tem orgulho de dizer que a cidade é assim alegre porque não há problema de violência. Diferente da capital... É o que todos dizem por aqui. Que Buenos Aires hoy es muy peligrosa.
Fizemos um tour pela cidade, com um ônibus aberto. Quarenta e cinco pesos por pessoa. Mais ou menos vinte e cinco reais, arredondando para cima. Passeio com ótima relação custo/qualidade. Vimos todos os pontos de interesse e o motorista – Artur – deu-nos todas as explicações necessárias, detalhadamente, em cada ponto de parada. Nem precisava, porque no ônibus roda um vídeo com narração clara em espanhol e inglês a respeito de cada local visitado.
Na parada Paseo dos Poetas (belo nome...) há um local particularmente interessante: o Pateo de Las Empanadas.
As empanadas salteñas são famosas na Argentina. São típicas da região. Em todo bar ou restaurante há empanadas. Deliciosas, de carne, frango ou queijo.
O tal pateo é um local que concentra umas dez ou doze barraquinhas, do tipo de um mercado, que só fazem empanadas ou tamales (uma espécie de pamonha salgada, com carne). Há até um concurso anual entre as barraquinhas, para se eleger qual faz a melhor empanada.
Escolhemos a nº 3, por indicação do motorista. Depois de provar uma, deliciosa, contei para a senhora que preparava as empanadas sobre a indicação. Ela não pareceu surpresa e só disse algo como “claro, yo soy la campeã do concurso deste año”...
Compramos uma dúzia e meia de empanadas, por trinta pesos. Quinze reais. Menos de um real por unidade. Baratinho e delicioso.
Dentre os locais que vimos, um merece particular referência: é a estação de onde parte o Tren de Las Nubes. Trata-se de um passeio turístico que é feito em ferrovia de mais de quatro mil km de altitude, passando por diversos viadutos inacreditáveis. Só que no período das chuvas, o passeio é interrompido, uma vez que o solo fica muito fofo e os viadutos podem afundar, se o trem passar...
Vou voltar aqui para fazer o passeio. De preferência com meus filhos. E quero voltar a Salta porque das inúmeras cidades argentinas que já conheço, foi a que mais gostei. Ouso dizer que gostei daqui mais do que de Buenos Aires.
Há muito mais para dizer/escrever. Mas não direi, porque cansa. E assim acabarei por espantar os dois leitores.
Só mais duazinhas coisas.
A primeira: vimos uma exposição no centro cultural da cidade, ao lado da praça. É um trabalho de uma artista plástica local, com crianças. Ela tomou o livro de perguntas irrespondíveis do Pablo Neruda e apresentou tais perguntas sem respostas para diversas crianças. Os “chicos” responderam e fizeram pinturas, ilustrando as respostas. Uma mais encantadora que a outra. Separei uma para vocês: “O que as tartarugas fazem quando estão tristes?” A resposta, óbvia: “Vão ao psicotartaruguista falar dos seus problemas!!!” Vejam a foto da pintura encantadora feita pela gênia da resposta. Nem preciso dizer que eu e a Ju compramos o livro para a nossa respondedora de perguntas, a Analulu.
A final: é curioso, mas voltar para a Argentina sempre me dá a sensação de voltar para casa. Não tenho dúvidas que aqui é o hogar na América do Sul que me sinto mais à vontade, depois do Brasil. Só sinto o mesmo em Portugal. Aliás, como são legais a Argentina e Portugal!!!
Como sempre, fotos com a Ju, assim que eu liberar o computador para ela.
Amanhã tem mais estrada. Esta provavelmente vai pegar. Ou seiscentos, ou oitocentos km pelo Chaco – que possivelmente estará fervendo, ao contrário da temperatura amena da vinda. Iremos até Presidência Roque Saenz Peña ou, se agüentarmos, até Corrientes.
Abraços e beijos a todos. Toni.

3 comentários:

  1. Amigos queridos: está muito boa a leitura. Ao contrário do que suspeita Antonio Mário, não nos poderá espantar com a eventual largueza de seus textos, exatamente por causa de sua qualidade. Continuamos a torcer!!!
    O calor, ao cruzarmos o deserto de Mojave, é algo muito sério mesmo! Desertos precisam ser respeitados!
    Abraço.
    Nery

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  2. queridos primos,tirei uma parte do domingo para me atualizar dos acontecimentos pois todo dia abro bog p/ver se tem novidades ,assim vendo os post sei que esta tudo bem, mas nem sempre leio . O ultimo tinha sido 6º trecho.Olha primo vc escreve muito,parece que estou viajando com vcs a cada descrição vem imagem na cabeça parece q estou com vcs. PARABENS!!!!!!!!! ESTAMOS MORRENDO DR SAUDADES.

    bjs, NETO E ANA

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  3. Olá Toni, pode acrescentar mais um leitor na sua conta, não tenho comentado nada pois sei das dificuldades da net por aí, estou guardando para quando voltarem para o Brasil. Um grande abraço e boa viagem.

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