terça-feira, 18 de janeiro de 2011

DÉCIMO TRECHO - CORRIENTES - ASUNCION - PARAGUAY




Dezessete de janeiro de 2011. Don’t cry for me, Argentina, porque desta vez a partida é para lo siempre. Hasta La Vista, Baby. Agora é Assuncion – Paraguay.
Décimo trecho curto. Trezentos e poucos km. De Corrientes a Asuncion, com tempo ruim.
A previsão, logo às sete da manhã, era de diminuição da temperatura no Chaco, de 43° Celsius para cerca de vinte graus. E, como consequência, de temporal com ventania, no Chaco e em Formosa. A previsão era, ainda, de 100 mm de chuva em três horas. O chamado aguaceiro.
Formosa estava no olho da tempestade. E é justamente por Formosa – a província mais ao norte da Argentina – que passa a nossa Ruta.
Sobre o temporal, escrevo mais à frente. Primeiro, devo contar sobre a saída de Corrientes.
Saímos por volta das 10:15hs., com temperatura de 27,5° Celsius. Céu todo encoberto. Poucas quadras percorridas, já estávamos na avenida de saída, a que liga a cidade à ponte sobre o Rio Paraná e que já é o começo da Ruta. Tínhamos que ir até uma rotatória em frente à entrada de Resistência – a cidade do outro lado do rio – e ali pegar a Ruta 11, sentido norte, para a cidade de Clorinda, na fronteira com o Paraguay.
A tal avenida (Avenida 3 de Abril, se eu não me engano) tinha coletoras, mas não tinha qualquer aviso. O Otávio, seguindo à frente, foi para a pista central. No primeiro semáforo, ele disse algo como “não tem placas, podemos ir”.
Não havia mesmo qualquer placa que indicasse proibição do tráfego de motos. Só que eu reparei que, de moto, apenas nós estávamos na pista central. Nas laterais, passavam todas as motinhas, do pessoal sem “casco”.
Não deu outra. Quando chegamos à cabeceira da ponte, no ponto onde há uma saída – feita mal e porcamente – da coletora para a pista central, havia um posto de controle policial. Ali as motos foram paradas, mas o Zé com a camionete não.
O policial que nos parou pediu que estacionássemos as motos ao lado da pista e que o acompanhássemos até um escritoriozinho na beira da avenida. Ali, havia outro policial – aparentemente o chefe – que examinou nossos documentos e disse que não podíamos trafegar pela pista central, porque era proibido por questão de segurança. “Hay muchos camioñes” disse ele, “que puedem colidir com las motos”.
Dissemos que não havia qualquer sinal indicativo da proibição, diferentemente de Resistência e Presidência Roque Saenz Peña, onde há placa que sinaliza a vedação do trânsito das motos pela pista central. O Otávio chegou a mostrar uma fotografia do sinal para o guarda de trânsito.
O policial fez referência a alguma coisa verde – que eu não entendi direito – e insistiu que a restrição era para a proteção dos motociclistas de motos grandes do Brasil, Argentina e Colômbia. Proteção, mas ao lado passavam as motinhas argentinas com gente sem capacete...
Ele admitiu que não havia mesmo qualquer sinalização e acabou por nos liberar, sem aplicar multa ou sem pedir qualquer propina para a gente. Tivemos sorte, porque o policial teve bom senso.
Se fosse um policial corrupto, teria pedido dinheiro para não aplicar a multa. Porque a restrição em Corrientes é uma verdadeira arapuca e nós, motociclistas estrangeiros, somos os passarinhos desavisados.
Ainda bem que ele não pediu dinheiro, porque eu não pago propina de jeito nenhum. Nunca paguei por questão de princípio e de formação. Não vai ser agora, depois de velho, que vou começar a fazer isso.
Demoramos uns quinze minutos por ali, mas, como dito, o policial acabou por nos liberar sem aplicação de qualquer multa. Disse ainda que avisaria a polícia do outro lado pelo rádio, para que soubessem que passaríamos e que já tínhamos sido submetidos ao controle.
Fica o alerta. Quem passar de moto por Corrientes não deve andar nunca pela pista central da avenida que saí na ponte para Resistência e para o Chaco. Andem nas laterais, por piores que pareçam. Isso também vale para Resistência e para Presidência Roque Saenz Peña. Evita problemas.
Esse foi o primeiro contratempo. Depois, veio o segundo. A chuva prevista no Noticero.
Já na estrada em direção a Formosa – a capital da província do mesmo nome, situada mais ou menos entre Corrientes e Clorinda –, o céu fechou de tal forma que parecia um teto rebaixado, de pesadas nuvens negras. Numa reta, vendo o céu opressivo ao longe, tive a impressão que iríamos tomar rumo diverso e desviar daquilo que se anunciava.
Vã esperança.
A estrada virou justamente para o lado em que a tempestade estava com a “faca nos dentes”. Viramos com ela e o temporal nos apanhou de jeito. Chuva forte, muito vento lateral, visibilidade próxima do zero.
Parei em um posto policial, esperando o Otávio e o Zé que tinha ficado para trás (o Otávio havia parado poucos km antes para colocar os seus impermeáveis. Eu e a Ju já tínhamos saído com os nossos forros).
No posto policial – uma cobertura sobre a pista, na qual cabem uns quatro carros enfileirados; é assim em toda a Argentina –, havia muitos veículos parados em fila dupla, esperando a chuva acalmar. Logo, o Otávio e o Zé chegaram. Esperamos uma leve diminuída da chuva e fomos, vagarosamente e com o pisca-alerta ligado, até um posto de gasolina distante uns três km. Paramos, esperamos mais um pouco e a chuva amansou. Retomamos a “Ruta” e, de repente, o céu desabou! A chuva e o vento voltaram com tudo! A visibilidade era zero. Nada indicava que o tempo iria melhorar.
Um cenário de terror. Eu e a Ju, pelo menos, ficamos aterrorizados. Nunca havia conduzido a moto por tanto tempo, em uma chuva tão forte assim. Uma vez, eu e a Ju fomos apanhados por uma chuva de granizo em Bragança Paulista, mas por poucos minutos. Na Argentina, não. A chuva deu a impressão que tinha vindo para ficar.
Não conduzi a moto. Tateei como um cego na escuridão.
E não havia como voltar, nem como parar, porque não existem abrigos ao lado da pista.
Cautelosamente, tocamos mais alguns km, com todas as luzes acesas e com o pista-alerta ligado – o que todos os veículos faziam – até encontrarmos novo posto policial, onde esperamos, de meia a uma hora, nova diminuição da chuva.
A chuva acalmou, nós saímos e ela não gostou. Aumentou de novo. Não tão forte quanto antes, mas suficientemente brava para tornar a condução arriscada.
Por sorte, estávamos perto de Formosa, cerca de cento e setenta km a partir de Corrientes. Tocamos até ali.
Havia, na entrada da cidade, um posto de gasolina à esquerda e uma rotatória para alcançá-lo. Contornamos a rotatória – em verdade, fizemos Jet-sky com as motos, porque a pista estava toda alagada – e ingressamos no tal posto. Abrigados finalmente, lanchamos. Também abastecemos as motos com o combustível extra trazido na camionete do Zé.
Torci as minhas meias e tirei dois peixinhos da bota, que parecia um aquário de tanta água. Como comentou apropriadamente a Ju, as nossas roupas são mesmo impermeáveis, porque a água entra e não sai...
Seguimos. Aí, sem chuva. Só uma breve garoa que não assustava em nada. A moral ficou alta novamente e eu e a Ju até começamos a cantar dentro de nossos capacetes que mais pareciam máscaras de mergulho, de tanta água que tinham.
Pouco à frente, uma nova nuvem assustadora. Escura, tinha a forma de um charuto de centenas de km. E extremamente baixa. Ali parada, ameaçadora. Nunca vi nada parecido. Era como se ela olhasse para a gente e dissesse algo como “vou pegar vocês!”
Felizmente, o que ela tinha de extensão, não tinha de largura. Como disse, era um charuto. Passamos rápido e conseguimos escapar da tempestade que ela abrigava. Não sei se fez estrago, mas que deve ter caído muita água logo depois, isso deve.
A partir daí, a viagem finalmente foi tranqüila. Tempo nublado, temperatura amena, a tal da garoazinha leve que persistiu até Clorinda – como escrevi, a cidade argentina na fronteira com o Paraguay.
Na periferia da cidade, acabamos por nos perder um pouquinho, mas não demorou quase nada para reencontrarmos a “Ruta”. Coisa de cinco minutos.
Logo depois, a uns dez km, talvez nem isso, a fronteira. Que foi anunciada por filas intermináveis de caminhões, principalmente de cegonhas carregadas de automóveis. Inevitavelmente pensamos que transportavam veículos furtados do Brasil.
Mas não eram. Trata-se de importação de veículos usados do Oriente – principalmente Japão. Coisa muito comum no Paraguay. Foi o que nos informaram no Chile, por onde muitos veículos passam. Decerto, desembarcam lá.
Pensando bem, pode ser que parte dos veículos veio do Brasil...
Chegamos à fronteira. Trezentos km rodados. O Paraguay.
A fronteira
A alfândega (conjunta) nos mostrou que já estávamos no Paraguay, com todo o respeito que merece a gente do país. Atravessamos filas de caminhões estacionados lado a lado. Passamos uma ponte pequena sobre um riacho – divisa entre o Paraguay e a Argentina – e chegamos aos escritórios locais. Estacionamos as motos em fila, em um local indicado por pessoas que pareciam funcionários da fronteira. Portavam até crachás.
Não eram. Eram (uma espécie de) despachantes. Pegam você pela mão e explicam o caminho das pedras da burocracia fronteiriça. Depois, pedem uma caixinha.
Dei quarenta pesos argentinos para o meu despachante. Mais ou menos vinte reais.
Achei barato.
Gostei do serviço.
O “despachante” me levou certinho de um guichê para o outro – passei por uns quatro ou cinco – e me indicou corretamente quais os documentos precisava exibir para cada funcionário dos diversos escritórios. Ele ainda me indicou um “cambista”. Aliás, o local está coalhado deles, com a absoluta complacência das autoridades locais. Não vi nenhuma agência de câmbio regularmente instalada.
Troquei cem pesos argentinos, por cem mil guaranis. Eles insistiram que eu trocasse mais. Não quis. Depois, verifiquei em um casa de câmbio dentro do Shopping que cem pesos estavam valendo cem mil e quinhentos guaranis, mais ou menos. Como um real vale aproximadamente 2.750 guaranis (cotação de hoje), o cambista da fronteira teve um espantoso lucro de uns dezoito centavos de real... De quebrar as pernas de qualquer um.
Nem o funcionário da alfândega argentina era igual aos que nos atenderam anteriormente, na fronteira do país com o Brasil e com o Chile. Parecia mais do Paraguay. Não sei explicar por que, mas tenho certeza que vocês entendem exatamente o que eu quero dizer...
Ainda que útil, o serviço de despachante – e os cambistas – na alfândega é um absurdo. A polícia não deveria permitir isso. A Ju ficou extremamente indignada.
Há mais.
Os funcionários sequer quiseram ver os meus sobrinhos – a Amanda, inclusive, é menor. Contentaram-se com a exibição dos passaportes deles pelo meu irmão. Supondo-se que fossem pais que tivessem vendido ou abandonado os filhos na Argentina, eles poderiam entrar no Paraguay e ainda comprovar que também as crianças ingressaram oficialmente no país. Uma baderna.
É por isso que desconfiamos constantemente do Paraguay. Porque as coisas aqui não são feitas corretamente. O “jeitinho” brasileiro é um principiante perto do que ocorre no Paraguay.
Bom, já por aqui, andamos mais uns 40 km. Estrada asfaltada e regularmente sinalizada – mas não é mais o asfalto da Argentina. Um certo trânsito que dificultou um pouco as ultrapassagens. Muitos veículos velhos.
Atravessamos uma ponte sobre o rio Paraguay e do outro lado estava a cidade. Chegamos à periferia e caímos em uma espécie de grande avenida, com trânsito intenso. Havia muitas motos, em sua maior parte pequenas, de marcas desconhecidas.
Não sei se foi impressão minha, mas as pessoas não pareciam olhar para as nossas motos com admiração, como na Argentina. Olhavam parece que avaliando quanto poderiam tirar com o repasse delas...
Isso é o Paraguay, meu irmão! Mas a gente tem culpa no cartório. Na guerra, a tríplice aliança acabou com isso aqui, que era um dos países mais desenvolvidos do continente no Século XIX. Hoje, é isso.
Ficamos no Ibis, ao lado do Sheraton e em frente ao Shopping Del Sol, o maior da cidade. Tudo na parte aparentemente mais nova e mais rica da cidade.
Chegamos às 17:00hs. A temperatura era de 26,5° Celsius. Foram 341 km rodados.
Fotos com a Ju. Tem uma da nuvem que não mostra exatamente o que foi o céu que enfrentamos, mas mostra um pouco.
No próximo post, Asuncion.
Abraços e beijos. Toni.

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